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MOFOFÔ

Tati Bueno (*)

Verão de 1955…chamava-se Maria! Maria não sei de quê. Só Maria. Mas era chamada apenas de MOFOFÔ. Com os seus 59 anos, ela era a figura mais conhecida é esperada naquela praiazinha de veraneio! A sua aparição atrás da estaçãozinha pequena e cheia de charme, era um acontecimento que fazia a garotada vibrar de alegria, quando ela surgia inesperadamente, causando o maior tumulto nos veranistas desavisados e moradores dos bairros próximos, que tão bem conheciam Maria.
Ela sempre aparecia ao cair da tarde, quando o vento bravo vinha substituir aquela temperatura de verão. Tranquila, ela entrava triunfante a passinhos miúdos, descendo pelo pelos trilhos do trem que cortava até lá embaixo, a única ruazinha da cidade! A molecada, a garotada da redondeza em férias, corria ansiosa atrás de MOFOFÔ, xingando e dizendo “gracinhas” a Maria, que fingia não ouvir!
E eu também quis saber coisas de seu passado, de seu presente e de sua vida!
Não me lembro bem, mas talvez tenha sido com ela a minha primeira inesquecível e mais importante entrevista jornalística entre centenas que já fiz por esse mundo a fora.
Quando todos se acalmavam, MOFOFÔ sentava sobre uma pedra áspera e quente pelo calor do verão e ia me respondendo ora, calma e serena, ora agressiva e impulsiva, com a voz muito rouca , o que eu – numa curiosidade incontida- sofregamente ficava a lhe perguntar! E eu perguntava coisas que mexiam com a dor de seu passado! E ela, perdida em recordações doloridas, ficava a olhar um ponto perdido além do horizonte, buscando rebuscando no tempo de sua imaginação um barco que partira e nunca mais voltara.
… Era um passado triste o passado de MOFOFÔ. Era um presente amargo cheio de revoltas incontidas vividas contra o tempo, que ela, com aquela voz alta em contraste com a sua figura franzina, com aqueles trajes coloridos e aquele rosto audaciosamente pintado, revivia dolorosamente!
Maria não sei de que, só MOFOFÔ era a figura mais aguardada e conhecida ao cair da tarde !
– Minha vida? Você quer mesmo saber de minha vida? Perguntava ela quase sussurrando! Ah! Minha vida… não me lembro de quase nada, só de um amor grande, sofrido que o tempo se encarregou de destruir impiedosamente. Amei e sofri tanto que nem me lembro de meu outro nome, a gente não tem? Perguntava ela curiosa, a gente não tem outro sobrenome, outro nome a gente não tem?
Nunca tive país e não sei nem onde nasci.
Talvez aqui nestas areias finas e brancas ou talvez naquele barraco sem teto de onde nunca saí! Fui bonita sim! Muito bonita mesmo afirmava ela tristemente! Cresci e vivi entre a fúria do mar, as tardes frias de um inverno entre as tempestades de vento, das noites de lua cheia, a única escolha que eu tive na vida: a fome ou o amor!
Na disputa de meu corpo e de meu amor, aquele pescador que eu tanto amei e passei a vida inteira esperando, nunca mais voltou”!
Foi embora, lá pra trás do horizonte, depois do arco-íris, e eu passei os dias e as noites, sentada naquela pedra grande atrás da igrejinha! Ficava lá conversando com as ondas, conversando com as estrelas, vendo a lua sair e o sol morrer e eu chamando e gritando para o meu amor voltar! Ele não me ouviu, talvez pelos barulhos das ondas, dos sussurros dos ventos, divagava Maria, com os olhos marejados de lágrimas e de saudades!
E Maria! Maria sem sobrenome, só MOFOFÔ não sorri.
A vi alguns verões mais tarde! Depois ela não mais voltou, atrás da estaçãozinha, descendo pelos trilhos do trem, aí cai de uma tarde de verão!
MOFOFÔ de minha infância, de minha primeira e inesquecível entrevista. Morreu louca de saudades, morreu de amor e eu quando me lembro dela, numa revivência suave, volto a ser a menininha que corria nua com os seus cabelos soltos pelas praias desertas de Marataizes montada em seu cavalo em pelo, e que não consegue ainda, apesar do tempo, colocar roupas e arreios em seus sonhos e suas fantasias!

(*) Jornalista.

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