Ângela Maria Sampaio de Souza A diferença entre o camarão e o chuchu é que um tem sabor original, o outro assume o sabor do que acompanha.Chuchu com camarão tem gosto de camarão, com abóbora tem gosto de abóbora, com abacaxi tem gosto de abacaxi …Em infinitas combinações, é sempre ele que cede para que […]
Categoria: Crônica / Conto
Carlos Heitor Cony – 1926/2018. Havia quitandas naquele tempo. Vendiam verduras, legumes, ovos, algumas chegavam a vender galinhas em pé, quer dizer, vivas, mas eram poucas, pois todas as casas tinham quintal e todos os quintais tinham galinhas. Ia esquecendo: as quitandas mais sortidas tinham à porta, bem visíveis aos passantes, um feixe de varas […]
VELHOS ESPARTILHOS
Cada época se assoa de uma certa maneira. (Não falo da grã-fina atual, que não se assoa, nem usa lenço. Na belle époque, porém, a mulher não tinha esse pudor nasal. Por exemplo: — numa frisa de ópera, uma bela senhora puxava o lenço e, diante da platéia interessada, assoava-se com um som de trombeta. […]
O SONHO DOS RATOS
Rubem Alves – 1933/2014. Era uma vez um bando de ratos que vivia no buraco do assoalho de uma casa velha. Havia ratos de todos os tipos: grandes e pequenos, pretos e brancos, velhos e jovens, fortes e fracos, da roça e da cidade. Mas ninguém ligava para as diferenças, porque todos estavam irmanados em […]
VELHOS CRIMES, NOVO LÍDER
Otto Lara Resende – 1922/1992. Erudito do supérfluo, é como classifico o José Octavio de Castro Neves. Ele sabe muita coisa boa e útil, mas sabe também o dispensável. Sabe que avião você deve tomar, numa viagem de Maceió a São Petersburgo, para se sentar do lado da sombra e da melhor paisagem, com a […]
OS CARNAVAIS DE ANTIGAMENTE
Rubem Braga – 1913/1990. Para responder, há tempos, a uma enquete de jornal, fiz um esforço para apurar minhas primeiras lembranças carnavalescas. Vi-me a mim mesmo e a meu irmão» muito pequenos mas de calças compridas, uma faixa vermelha na cintura, com bigodes e costeletas pintados a rolha queimada… De pouco mais me lembro, mas […]
DELICATESSEN
Hilda Hilst – 1930/2004. Você nunca conhece realmente as pessoas. O ser humano é mesmo o mais imprevisível dos animais. Das criaturas. Vá lá. Gosto de voltar a este tema. Outro dia apareceu uma moça aqui. Esguia, graciosa, pedindo que eu autografasse meu livro de poesia, “tá quentinho, comprei agora”. Conversamos uns quinze minutos, era […]
ARQUEOLOGIAS URBANAS
Ricardo do Carmo Eu venho de arqueologias urbanaspeneirando camadas de asfaltosalvando fósseis de homens apressados.Passageiro e de passagemsubo à carcaça do ônibus queimado.Minhas mãos são ruínas!Meus olhos são ruínas! Não sei se foi o acasoou ancestrais bondosos,me inventaram agorauma nova prospecção!E eu quero sim o carvãode datações mais leves.Quero soprar para longeos resíduos do ódio […]
CHORO NA CAPELA
Adélia Prado O poder que eu quisera é dominar meu medo.Por este grande dom troco meu verso, meu dedo,meus anéis e colar.Só meu colo não ponho no machado,porque a vida não é minha.Com um braço só, uma só perna,ou sem os dois de cada um, vivo e canto.Mas com todos e medo, choro tantoque temo […]
O CHANTAGISTA
Nelson Rodrigues – 1912/1980 A futura sogra, que era professora e tinha um gênio adorável, dizia sempre: – O essencial no casamento é a compreensão. E insistia, acima de tudo, num ponto que lhe parecia essencial: – Nada de discussões! Nada de bate-bocas! Fernando ouvia tudinho e, mais tarde, com os amigos, dava demonstrações do […]