Alcântara Machado – 1901/1935. O INGÊNUO DAGOBERTO Diante da porta da loja pararam. Seu Dagoberto carregava o menorzinho. Silvana a maleta das fraldas. Nharinha segurava na mão do Polidoro que segurava na mão do Gaudêncio. Quim tomava conta do pacote de balas. Lázaro Salém veio correndo do balcão e obrigou a família a entrar. Seu […]
Categoria: Crônica / Conto
Paulo Mendes Campos – 1922/1991. DESCANSO DE FUTEBOL Eu devia ou pelo menos merecia estar aposentado. Mas a ideia sombria da invalidez, e não do ócio com vivacidade, orientou os criadores do instituto de aposentadoria. Deu-se que um dia, há uns três anos, vislumbrei de súbito que uma aposentadoria especial estava ao alcance de minha […]
PERSONALIDADE AUTOMOTIVA
Paulo Cotias (*) Sim, os carros de antigamente tinham personalidade. Vejam, não estou me referindo a associação entre veículos e status. Isso é coisa dos dias de hoje. Para ser justo, antigamente também se associava determinados carros ao pedigree de certas camadas sociais, só que isso era para aqueles que, sinceramente, o povo até podia […]
NO MOINHO
Eça de Queiróz – 1845/1900. D. Maria da Piedade era considerada em toda a vila como “uma senhora-modelo”. O velho Nunes, director do Correio, sempre que se falava nela, dizia, acariciando com autoridade os quatro pêlos da calva: – É uma santa! É o que ela é! A vila tinha quase orgulho na sua beleza […]
CONVERSINHA MINEIRA
Fernando Sabino – 1923/2004. – É bom mesmo o cafezinho daqui, meu amigo? – Sei dizer não senhor: não tomo café. – Você é dono do café, não sabe dizer? – Ninguém tem reclamado dele não senhor. – Então me dá café com leite, pão e manteiga. – Café com leite só se for sem […]
UNIDOS NA VIDA E NA MORTE
Nelson Rodrigues – 1912/1980. Era bonitinha, embora enjoativa. Asdrúbal a viu, pela primeira vez, numa festa, em casa de família. Perguntou ao Penaforte: – Conheces aquela cara? – Qual delas? – A de verde. Conheces? Penaforte, que se dava com todo mundo, identificou-a: – Conheço. Chama-se Odete. Boa pequena, mas tem um defeito. – Qual? […]
BALANÇO
Otto Lara Resende – 1922/1992. Por que hei de agradar o rude sofrimento e mais rude torná-lo, na desesperança? Por que proclamar a tristeza inútil diante das coisas que secretamente e melhor compreendo? Não falarei do desamparo que finamente aperta os dedos na garganta. Não citarei o sentimento peculiar aos que têm propensão para o […]
O PUXA-SACO
Paulo Cotias (*) Não existe um sujeito mais verdadeiro do que o puxa-saco. Caso tivesse um pouquinho mais de tempo e paciência, Darwin poderia colocá-lo no seu compêndio sobre a evolução humana, já que o puxa-saquismo, dizem por aí, pode ser considerado uma variante genômica que originou uma nova espécie dentro do grande reino dos […]
BUCHADA DE CARNEIRO
Rubem Braga – 1913/1990. Um dia, quando este mundo for realmente cristão, eu acho que ninguém terá coragem de matar um carneiro. Até que já devia ser pecado matar carneirinho. Tem tanto pecado na religião que a gente por dentro mesmo, não acha, não sente que é pecado – e matar um carneiro, ato bárbaro, […]
TERRENO BALDIO
Nelson Rodrigues – 1912/1980. Ah, como é falsa a entrevista verdadeira! Não sei se me entendem. Eis o que eu queria dizer: — trabalho em jornal desde os treze anos e tenho 55 anos. Façam as contas. São 42 anos. Depois de 42 anos de redação, o sujeito acumulou uma experiência em nada inferior às […]