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A praia tem dono!

Carne branca grelhada, muita salada, frutas e principalmente caminhar. A receita veio em tom de ordem unida e foi dada não por um sargento do corpo de fuzileiros navais, mas pela médica cansada de lidar com o paciente rebelde. Adeus aos torresminhos, espetinhos de coração, pastéis de camarão de Dona Agda e as linguicinhas.  A Doutora Jane, auxiliada pela família e por falsos amigos acabavam de decretar a minha morte civil.

Bem que tentei resistir diante das ameaças de crise de hiperglicemia e infarto, mas capitulei frente à possibilidade de sofrer um AVC. Sempre tive medo de ficar me arrastando com a boca torta e a mão virada pra dentro. Com a barriga macilenta e a cabeça branquinha me imaginei Quasimodo pendurado na torre da igreja bradando pela musa belíssima, mas apaixonada pelo mocinho da fita hollywoodiana com cabelos gomalinados.

Obrigado a caminhar, argumentei que de manhã cedo não poderia fazer bem a um homem que adora a madrugada. A falta de costume poderia provocar um choque cultural de consequências fatais. Optei pelo cair da tarde. Vesti a bermuda dada de presente de Natal há cerca de cinco anos pela minha filha, enfiei a camiseta “mamãe tô forte”, calcei os chinelos cor de rosa ganhos no último amigo oculto e me mandei para a Praia da Barra, hoje conhecida como Praia do Forte.

De cara percebi que o novo “calçadão” tem pedras portuguesas e corrimão de aço inox, parecendo mais um hall de entrada desses edifícios bregas, com pretensiosos nomes franceses construídos para os novos ricos, que mal sabem falar o português. O espanto aumentou quando ao descer para a areia deparei com a placa de “PERIGO” colocada por cima de uma parede de pedras soltas misturadas com areia. A moderna engenharia, tentando conter o avanço do mar.

Esperava enganar meus torturadores caminhando despreocupadamente pela beira d’água, sentindo o mar nos pés e ouvindo o rumor contínuo das ondas. Pretendia transformar tudo em prazer. Tirei os chinelos, e como de costume coloquei as mãos para trás olhando para o horizonte e andando sem pressa. Relembrei os castelos de areia, os diques que tentavam conter o mar e os “jacarés” que os meninos pegavam. Aos 71 anos me olhei criança, correndo por aquela areia fina e branquinha.

Todos os dias os meninos jogavam uma pelada de gol pequeno que apelidavam “furingo de gato”. Mais tímido e perna de pau assumido sempre me contentei com futebol de botão e cheguei a ter todos os times cariocas dentro de uma caixa que não abria pra ninguém. O orgulho era o ataque do Botafogo, bicampeão carioca em 61 e 62: Garrincha, Didi, Quarentinha, Amarildo e Zagallo.  No Brasil, só o Santos era páreo com Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe.

Olhei pra dentro da praia onde a garotada tentava jogar o velho “furingo de gato”. O jogo era interrompido pelo vai-e-vem dos buggis, caminhonetes, carros e motos dos barraqueiros que, em velocidade atravessavam o campo de jogo entre buzinas e berros. Mais adiante duas meninas haviam desenhado na areia uma “amarelinha” e começavam a pular e brincar. Um barraqueiro impaciente, puxando de carro toda a sorte de cangalhas, buzinou com insistência e sem cerimônia passou sobre a “amarelinha”, destruindo todo o desenho e a brincadeira.

A praia agora tem dono, as crianças que procurem outro lugar para brincar.

Aproveitei a deixa e fui embora.

Lopes da Guia

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