BLOG DO TOTONHO

  • PAISAGENS CABOFRIENSES – JOÃO FÉLIX

    Paisagens Cabofrienses – JOÃO FÉLIX.

  • PEQUENAS DOSES

    Patrimônio Histórico

    Enfim desenrolou o mistério da volta do canhão surrupiado ao Forte São Matheus, em Cabo Frio. Desvendadas as vaidades, aqui e acolá, a secular peça de artilharia merece retornar ao seu lugar de guarda da entrada da barra de acesso a Laguna de Araruama através do Canal do Itajuru. Tomara que o seu retorno seja estímulo para o zelo permanente do patrimônio da cidade, parte de nossa história.

    Zelo & Divulgação

    O cuidado permanente na conservação dos patrimônios natural e histórico da cidade e sua correta e ampla divulgação contribuirá e muito para o turismo no município. É preciso dar ao turista a sensação de segurança, organização e limpeza ao visitar os pontos mais atraentes da cidade. O Forte São Matheus é um deles.

    Zelo & Divulgação 2

    O zelo, aliado a criação de eventos de boa qualidade, como os festivais de jazz e blues, em Rio das Ostras e Búzios, direcionado para determinada faixa de público, será capaz de aos poucos descontruir o turismo de massa ou mesmo ordená-lo, com grandes benefícios para a população da cidade como um todo.

    Inspeção

    O secretário de meio ambiente Jailton Dias Nogueira e Davi Barcelos, secretário de turismo, publicaram nas redes sociais da internet a visita de inspeção que realizaram na Ilha do Japonês. A impressão foi a pior possível: muito lixo e desleixo por parte de todos que frequentam o local e dos que ganham dinheiro por conta dessa linda área lagunar. A promessa é de organização de toda a área. Precisa!

    Limpeza urbana

    O prefeito Serginho Azevedo (PL) anunciou nova tecnologia para a coleta de lixo e limpeza da cidade, através da Comsercaf. Novo vídeo mostra os funcionários da autarquia sendo treinados com as novas técnicas e aparelhos. A cidade, em todos os seus bairros está precisando bastante de tecnologia, divulgação correta e também mais educação dos cidadãos-contribuintes.

    Lodo & Estação de Tratamento

    Serginho Azevedo (PL) também anunciou que obteve a licença para a retirada do lodo poluente, na área da Praia do Siqueira. A extração do lodo aliada a aceleração da construção da Estação de Tratamento Terciária será grande ganho não apenas para o bairro, para a Laguna de Araruama e a cidade.

    Folclore Político

    Linguajar janístico – Há duas pérolas entre as mais citadas, entoadas pelo então professor de português e depois presidente do Brasil, Jânio Quadros. Ao ser questionado por uma jovem jornalista “por que fez isso”, respondeu do alto da sua sabedoria: “Fi-lo porque qui-lo”. Noutra vez lhe perguntaram porque bebia tanto: “Se fosse liquido, bebê-lo-ia. Se fosse sólido, comê-lo-ia”. Os maldosos emendavam, “como não é possível comê-lo-á”, um cacófato que fazia referência ao nome da esposa de Jânio: Eloá Quadros.

    Metódico – O ex-vice presidente da República, Marco Maciel era metódico em tudo. Inclusive no casamento. Domingo à noite era sagrado que, depois da missa, seguida de pizza com vinho, era hora de “namorar”. Até que num certo domingo à noite, Maciel recebe um telefonema do ex-ministro chefe, Golbery do Couto e Silva, informando que um avião o aguardava para uma viagem urgente a SP. Maciel vira-se para a esposa, informa que Golbery o havia chamado e sai-se com essa: “Teje namorada!”

    Revista O Cruzeiro – O velho Assis Chateaubriand, dono dos diários Associados e da Revista O Cruzeiro, era um craque do ponto de vista editorial. Certa feita pediu a um dos seus fotógrafos que conseguisse uma foto do ex-presidente Juscelino Kubitscheck de “robe de chambre”, fazendo a barba. JK topou a brincadeira e virou capa da revista. Hoje, certamente nossas editorias fotográficas são todas muito menos audaciosas!

    O Amigo da Onça – Péricles

  • DANÇA DOS VODUNS

    As vezes me pergunto se os amigos que nos deixaram tem alguma visão, pensamento, ilusão, distinção, noção do que se passa com os amigos que aqui ficaram… O mundo já não é o mesmo que foi… Quem foi esquecido? Quem ainda será? Não acredito em nada que eu não possa saber… Certa vez Darcy disse a Oscar que só ele, que fez sua obra em concreto, iria perdurar mais de mil anos na memória do mundo… O que importa isso para quem já foi? Não sei o que vem depois da memória do ver, do ser, do nada.Sei o que eu vivi… No Maranhão, na Casa das Minas, pude presenciar a dança dos que já partiram… Estavam cobertos, dos pés a cabeça, de belíssimos mistérios indecifráveis… Lembrei-me dos amigos… Salve Nunes Pereira!

    José Sette de Barros é cineasta e artista plástico.

  • POR UM PÉ DE FEIJÃO

    Nunca mais haverá no mundo um ano tão bom. Pode até haver anos melhores, mas jamais será a mesma coisa. Parecia que a terra (á nossa terra, feinha, cheia de altos e baixos, esconsos, areia, pedregulho e massapê) estava explodindo em beleza. E nós todos acordávamos cantando, muito antes do sol raiar, passávamos o dia trabalhando e cantando e logo depois do pôr-do-sol desmaiávamos em qualquer canto e adormecíamos, contentes da vida.

    Até me esqueci da escola, a coisa que mais gostava. Todos se esqueceram de tudo. Agora dava gosto trabalhar.

    Os pés de milho cresciam desembestados, lançavam pendões e espigas imensas. Os pés de feijão explodiam as vagens do nosso sustento, num abrir e fechar de olhos. Toda a plantação parecia nos compreender, parecia compartilhar de um destino comum, uma festa comum, feito gente. O mundo era verde. Que mais podíamos desejar?

    E assim foi até a hora de arrancar o feijão e empilhá-lo numa seva tão grande que nós, os meninos, pensávamos que ia tocar nas nuvens. Nossos braços seriam bastantes para bater todo aquele feijão? Papai disse que só íamos ter trabalho daí a uma semana e aí é que ia ser o grande pagode. Era quando a gente ia bater o feijão e iria medi-lo, para saber o resultado exato de toda aquela bonança. Não faltou quem fizesse suas apostas: uns diziam que ia dar trinta sacos, outros achavam que era cinqüenta, outros falavam em oitenta.

    No dia seguinte voltei para a escola. Pelo caminho também fazia os meus cálculos. Para mim, todos estavam enganados. Ia ser cem sacos. Daí para mais. Era só o que eu pensava, enquanto explicava à professora por que havia faltado tanto tempo. Ela disse que assim eu ia perder o ano e eu lhe disse que foi assim que ganhei um ano. E quando deu meio-dia e a professora disse que podíamos ir, saí correndo. Corri até ficar com as tripas saindo pela boca, a língua parecendo que ia se arrastar pelo chão. Para quem vem da rua, há uma ladeira muito comprida e só no fim começa a cerca que separa o nosso pasto da estrada. E foi logo ali, bem no comecinho da cerca, que eu vi a maior desgraça do mundo: o feijão havia desaparecido. Em seu lugar, o que havia era uma nuvem preta, subindo do chão para o céu, como um arroto de Satanás na cara de Deus. Dentro da fumaça, uma língua de fogo devorava todo o nosso feijão.

    Durante uma eternidade, só se falou nisso: que Deus põe e o diabo dispõe.

    E eu vi os olhos da minha mãe ficarem muito esquisitos, vi minha mãe arrancando os cabelos com a mesma força com que antes havia arrancado os pés de feijão:

    – Quem será que foi o desgraçado que fez uma coisa dessas? Que infeliz pode ter sido?

    E vi os meninos conversarem só com os pensamentos e vi o sofrimento se enrugar na cara chamuscada do meu pai, ele que não dizia nada e de vez em quando levantava o chapéu e coçava a cabeça. E vi a cara de boi capado dos trabalhadores e minha mãe falando, falando, falando e eu achando que era melhor se ela calasse a boca.

    À tardinha os meninos saíram para o terreiro e ficaram por ali mesmo, jogados, como uns pintos molhados. A voz da minha mãe continuava balançando as telhas do avarandado. Sentado em seu banco de sempre, meu pai era um mudo. Isso nos atormentava um bocado.

    Fui o primeiro a ter coragem de ir até lá. Como a gente podia ver lá de cima, da porta da casa, não havia sobrado nada. Um vento leve soprava as cinzas e era tudo. Quando voltei, papai estava falando.

    – Ainda temos um feijãozinho-de-corda no quintal das bananeiras, não temos? Ainda temos o quintal das bananeiras, não temos? Ainda temos o milho para quebrar, despalhar, bater e encher o paiol, não temos? Como se diz, Deus tira os anéis, mas deixa os dedos.

    E disse mais:

    – Agora não se pensa mais nisso, não se fala mais nisso. Acabou. Então eu pensei: O velho está certo.

    Eu já sabia que quando as chuvas voltassem, lá estaria ele, plantando um novo pé de feijão.

    Antônio Torres

  • OUTONO DE FOTOGRAFIAS – CABO FRIO/RJ – JOÃO FÉLIX

    Outono de Fotografias – Cabo Frio/RJ – JOÃO FÉLIX.

  • PEQUENAS DOSES

    Resgate & Restauração

    1 – O canhão, do século XVII, que foi levado, em 1953, do Forte São Matheus, por um grupo de estudantes de Friburgo, finalmente volta a Cabo Frio. O resgate foi articulado através de uma série de contatos desenvolvidos pelo vice-prefeito Miguel Alencar (União Progressista).

    2 – Ainda não foi anunciado pelas autoridades municipais a restauração das históricas peças de artilharia, que se encontram em péssimo estado no interior do Forte São Matheus. Já o Parque do Itajuru está bem cuidado, mas não a Fonte, que é a razão de existir do próprio parque: o estado é lastimável e aguarda restauração prometida há muitos anos.

    O Conclave

    Começou o Conclave para a eleição do novo Sumo Pontífice da Igreja Católica, mantendo a tradição do Vaticano, 133 cardeais vão escolher o novo líder. Os vaticanistas consultados pela mídia esperam que o escolhido mantenha os avanços do Papa Francisco e exerça o diálogo com amplos setores da Igreja.

    Ressurgência

    A mostra coletiva Ressurgência, no Palácio das Águias, nasce como um espaço de sublimação e expansão da potência criativa local, trazendo à superfície a produção artística da região reunindo obras de 21 artistas de Cabo Frio e da Região dos Lagos. A exposição reúne diferentes propostas
    e linguagens, propondo um mergulho nas possibilidades de construção de memória, regionalidade e pertencimento, dando visibilidade a trajetórias que nutrem, recriam, subvertem e expandem o presente.

    A Conferir!

    O governo estadual, leia-se Cláudio Castro (PL) está devendo a população do Estado do Rio os oito centros de tecnologia e inovação, que deveriam estar prontos em julho de 2023, inclusive o Centro Tecnológico José Bonifácio, em Cabo Frio. As obras estão dentro do PAC/RJ. com custo superior a 170 milhões, após os aditivos. A Construtora Metropolitana garante que tudo fica pronto e entregue a população no final de 2025. A conferir!

    Folclore Político

    Pé de valsa – O ex-presidente Juscelino Kubitscheck de Oliveira, o JK, além de hábil político era exímio dançarino. E com isso, ia trazendo alegria e intranquilidade nas cidades por onde passava. Por ele as moças suspiravam. Por ele, os maridos renegavam os votos. Coisas da política. E dona Sarah, coitada, que inventou o primeiro comitê feminino para ajudá-lo em suas campanhas, vivia “alquebrada”, tal era o peso da sua infelicidade!

    A camisa de JK – Duro e querendo ir a um baile, o ex-presidente Juscelino Kubitschek inventou de vender uma camisa para arrumar dinheiro para as entradas. Lavou, passou, embrulhou bonito e conseguiu a grana. Dia seguinte foi procurado pelo comprador, que reclamou do prejuízo: a camisa tinha rasgado todinha. Ao que JK lhe perguntou: “Mas fez o que a noite inteira com a camisa?” Ao que o comprador lhe respondeu: “Dancei samba, maxixe, mambo, tango e o escambau”. Irritado, JK lhe disse: “Mas meu amigo, essa é uma camisa de tecido fino… só pode dançar valsa!”. Deu as costas e nunca mais falou com o interlocutor.

    Itamar Franco – O caso mais vexatório ocorreu com o ex-presidente Itamar Franco, num dos seus dias de presidente. Ele foi passar o carnaval no Rio de Janeiro, recebeu camarote especial, bebeu, brincou a vontade a até arrumou uma namorada para aqueles dias. Lilian Ramos. Apareceram juntos, fotografados de baixo para cima pelos fotógrafos dos jornais brasileiros e internacionais. Que no dia seguinte estamparam as fotos do presidente “alegre”! E a acompanhante “sem calcinha”. Foi um vexame. O assessor de imprensa pediu demissão.

    Dona Eloá e a vassoura — Uma das imagens mais marcantes das campanhas eleitorais foi exibida na campanha eleitoral para presidente da república desenvolvida por Jânio Quadros. Na ocasião, por sugestão de sua esposa, Da. Eloá Quadros, foram usadas vassouras como símbolos da campanha. Todo mundo tinha uma em casa. Custo zero. E tema infalível: “Varrer a corrupção”. Deu no que deu.

    Observação – O último comício da campanha de Jânio Quadros na eleição de 1960, que o elegeu Presidente da República, foi realizado na Praça Porto Rocha, no centro de Cabo Frio. Na ocasião foi feita farta distribuição das “vassourinhas”, que iriam “varrer a corrupção” no Brasil.

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  • VISITA À BIENAL MINEIRA DO LIVRO

    Estive na Bienal Mineira do Livro, em Belo Horizonte. A bienal começou no dia 3/5 e vai até o próximo dia 10.
    A edição deste ano homenageia o grande escritor mineiro, João Guimarães Rosa. Dela participam mais de 60 editoras e livrarias, 170 autores independentes e 80 quadrinistas, além de vários autores convidados, nacionais e internacionais, como Conceição Evaristo e Fabrício Carpinejar, entre outros. Uma extensa programação que inclui também rodas de conversa, contação de histórias, oficina de escrita e clube de escritores.
    Algo que observei, e que gostei de ver, foi a quantidade de ônibus estacionados, outros que chegavam e saíam, com crianças e jovens, estudantes de várias escolas do Município e também de outras cidades de Minas Gerais. Muitos livros infanto-juvenis na exposição e as crianças e jovens encantados com o mundo da literatura e fazendo uso de “vale-livro”, fornecido pelo poder público, por meio da política de incentivo à leitura.

    Sabemos que as grandes capitais têm seus problemas sociais, principalmente em razão de serem centros atrativos para oportunidades de estudo e trabalho, entre outras necessidades. Mas, para além disso, percebemos uma diferença fundamental no modo de tratar dos problemas quando a cultura e o saber são valores mais consolidados e, portanto, mais valorizados pelo poder público e pela sociedade em geral.
    A capital mineira possui cerca de 22 bibliotecas municipais, sendo uma para cada centro cultural da cidade, no total de 17 centros culturais, e em outros espaços do Município. A rede de bibliotecas públicas municipais é gerenciada pela Fundação Municipal de Cultura – FMC e organizada por meio de um sistema informatizado que possibilita que as reservas de livros possam ser feitas pela internet. Em relação a teatros, BH possui cerca de 35 espaços teatrais, sendo que 3 são espaços públicos municipais. A pesquisa intitulada “Cultura das Capitais”, realizada pela empresa de consultoria especializada em cultura, esporte e investimento social, JLeiva Cultura & Esporte, revelou que ler é um hábito comum na Capital e que os moradores, incluindo estudantes, gostam de ler, conforme responderam 61% dos entrevistados. Por esses dados, percebemos uma maior consolidação da cultura e do saber como pilares estruturados, tanto por parte da sociedade como por parte do poder público. Claro que, como eu disse, por ser uma grande cidade e por não estar desvinculada da desigualdade gritante de oportunidades que há na sociedade brasileira, há dificuldades a superar e os números podem não ser suficientes. Entretanto, o primordial, o básico para qualquer sociedade, é ter como certa a posição da cultura como valor essencial. É ter como incontestável a necessidade de espaços culturais em pleno funcionamento, como teatros e bibliotecas.
    Na visita à bienal, senti isso quando vi crianças e jovens entusiasmados, participando das brincadeiras propostas e de olhos brilhando ao manusear os livros. Em tempos de tanta força de redes sociais e de tanta anticultura, estar ali, em meio àquele mundo literário e perceber a satisfação e entusiasmo dos presentes, em especial de crianças e jovens, revigorou o meu ânimo e a minha vontade de prosseguir na semeadura de novos horizontes e de insistir na divulgação da importância dos valores culturais.

    Luciana G. Rugani
    Escritora e poeta

  • NO RESTAURANTE SUBMARINO

    Jerônimo me liga. Tenho uma grande notícia, diz, a voz estranhamente excitada para quem é, habitualmente, um homem reservado. Uma grande notícia, repete, acrescentando que pelo telefone não dá para dizer. Propõe um almoço conjunto: nós dois, mais Hélio e Sadi. Onde, pergunto, um tanto inquieto. No restaurante submarino, ele responde. Pondero que é meio longe; além disso a época não é muito apropriada para ir ao restaurante submarino; chove e faz frio. Por isso mesmo vamos lá, diz Jerônimo, não quero que nos vejam. Aliás, já telefonei e reservei o restaurante só para nós.

    Acabo concordando. Que remédio? Jerônimo é conhecido por sua tenacidade, por sua férrea determinação. Não há o que não consiga, dizem todos.

    De carro, dirijo-me para o local onde fica o restaurante submarino. Na estrada, passo por Hélio, que me olha com uma expressão de interrogação. Pelo visto, também ele não sabe do que se trata.

    Chego à praia, deixo meu carro no estacionamento. Ali já estão os carros dos outros. Sou o último, como sempre.

    Caminho ao longo do antigo cais, na extremidade do qual foi construído o restaurante. Entro no hall, cumprimento o discreto gerente, desço uma escada em caracol. O restaurante propriamente dito fica abaixo do nível do mar. Por suas janelas, escotilhas, melhor dizendo, pode-se apreciar a fauna marítima da região.

    Jerônimo e os outros lá estão, numa mesa de canto. Cumprimento-os, tomo assento. Estão falando sobre banalidades. Mas Jerônimo está radiante, vê-se.

    Um alto-falante, colocado logo acima de nossas cabeças, range e emite um silvo agudo. — Alô — diz uma voz de homem. — Alô, alô. Testando, testando. Um, dois, três, um, dois, três. Testando, testando.

    Uma pausa, e a voz prossegue:

    – Senhores, bem-vindos ao restaurante submarino, o único de seu gênero no Brasil. A direção deseja que se sintam como em suas casas. Enquanto saboreiam nossos deliciosos pratos, daremos algumas explicações sobre os seres marinhos que nos rodeiam. Voltaremos em instantes. Por ora, obrigado.

    Hélio, que não conhecia o lugar, está maravilhado: que beleza de instalações, diz. Que coisa bem bolada.

    – Atenção — o alto-falante, de novo. — Senhores, sua atenção, por favor. Aproxima-se de nós, vindo do sul, um polvo. O polvo, senhores, não é peixe, mas sim molusco. Repito: molusco. E aí está o nosso herói!

    Trata-se, com efeito, de um pequeno polvo. Passa lentamente diante de nossa escotilha e desaparece.

    Sensacional, brada o entusiasta Hélio. Sensacional, este lugar, Jerônimo! Jerônimo não diz nada; sorri, apenas.

    O alto-falante de novo:

    – Atenção. Estamos vendo agora um cação. Esse peixe é parente próximo do tubarão, o assassino dos mares.

    Vai-se, rápido, o cação.

    Chega o garçom, com uma grande travessa. Tomei a liberdade de encomendar para nós, explica Jerônino. Vocês vão gostar. É robalinho. Muito bom. Muito bom, mesmo.

    Não gosto de peixe, diz Sadi, preferia camarão. Seu tom tem algo de ressentido; mas já Jerônimo está pedindo ao garçom que providencie camarões. Como não, senhor, diz o homem, e se afasta.

    Jerônimo ergue o copo: a nós, diz. Bebemos, e depois o silêncio cai sobre nós, um silêncio que a mim (mas sou meio paranoico) parece opressivo. Inclino-me para Jerônimo:

    – Vamos lá, conte o que você tem a nos dizer.

    Jerônimo toma mais um gole de vinho. Bom, este vinho, comenta. Limpa os lábios com o guardanapo, olha-nos — sorrindo sempre — e anuncia:

    – O homem está liquidado. Cai na semana que vem. E o cargo, é quase certo, será meu. Posso contar com vocês?

    Mas você é um gênio, exclama Hélio. Um gênio mesmo, concordo. Só Sadi é que não diz nada. Olha pela escotilha: há um cardume ali. O alto-falante não diz o nome deles mas sou capaz de apostar: são bordalos, também conhecidos como robalinhos. Fitam Sadi com seus olhos inexpressivos.

    Moacyr Scliar – 1937/2011.

  • A ANGÚSTIA DAS SAVANAS

    Uma das tantas teorias sobre o começo da civilização é a da angústia do pênis exposto. Quando os primeiros hominídeos desceram das árvores e foram viver na savana, uma das conseqüências de andarem eretos e terem que se espichar para pegar as frutas foi que seus órgãos sexuais ficaram expostos ao escrutínio público. Antes de darem às fêmeas, ou aos mulherídios, a chance de organizarem uma sociedade de acordo com a sua observação da novidade e determinarem que os mais potentes teriam o poder — o que inviabilizaria qualquer tipo de hierarquia baseada na inteligência e, principalmente, na antigüidade, além de decretar o fim da linhagem dos pintos pequenos, que nunca se reproduziriam —, os machos tomaram providências, começando por tapar suas vergonhas. A civilização começou pelas calças, ou o que quer que fosse a moda de tapa-sexos nas savanas. E tudo que veio depois — a linguagem, o fogo, a roda, a escrita, a agricultura, a indústria, a ciência, as nações, as guerras, todas as afirmações masculinas que independem do pinto — foi, de um jeito ou de outro, uma extensão das primeiras calças. Um disfarce, um estratagema do macho para roubar da fêmea o seu papel natural de guiar a espécie escolhendo o reprodutor que lhe serve pelas suas credenciais mais evidentes, e não pelas suas poses ou poemas. Toda a nossa cultura misógina vem do pavor da mulher que quer retomar seu poder pré-histórico e, não sendo nem prostituta nem nossa santa mãe, nos tirar as calças. Todo o nosso drama milenar foi resumido num pequeno auto admonitório: Yoko Ono seduzindo John Lennon e desfazendo uma idílica ordem fraternal, quase destruindo um mundo. E o que é a supervalorização da virgindade e a estigmatização civil do adultério, como constam na lei brasileira, senão uma tentativa de garantir que a mulher só descubra o tamanho do pênis do marido quando não pode fazer mais nada a respeito? Continuaríamos vivendo a angústia das savanas.

    Independentemente das teorias, a virgindade é um tema para muitas divagações. Ninguém, que eu saiba, ainda examinou a fundo, sem trocadilho, todas as implicações do hímen, inclusive filosóficas. Já vi o hímen — que, salvo grossa desinformação anatômica, não tem qualquer outra função biológica a não ser a de lacre — descrito como a prova de que o Universo é moralista. E, levando-se em conta a dor do defloramento e mais as agruras da ovulação e do parto em comparação com a vida sexual fácil e impune do homem, também é misógino. Mas em comparação com o que a mulher, historicamente, sofreu num mundo dominado por homens e seus terrores, o que ela sofre com a Natureza é pinto. Com trocadilho.

    Luís Fernando Veríssimo

  • A RESTINGA – CABO FRIO/RJ – JOÃO FÉLIX

    A Restinga – Cabo Frio/RJ – JOÃO FÉLIX

  • PEQUENAS DOSES

    Multas x Enxugar gelo

    O trabalho de limpeza dos cabos aéreos que enfeiam as ruas de Cabo Frio não pode ficar restrito ao Largo de São Benedito na Passagem, a cidade inteira está assim. Caso a Prefeitura não estabeleça multas para coibir a bagunça generalizada vai ficar enxugando gelo diariamente. Tem que multar e cobrar o pagamento das multas.

    Tecnologia de ponta

    O prefeito foi para a mídia anunciar que a Prefeitura está equipada com tecnologia de ponta para resolver em definitivo o problema da coleta de lixo no município. Embora o tempo seja curto para mudanças substanciais, até o momento não deu para sentir nenhuma alteração qualitativa. Espera-se que o quadro técnico da Comsercaf seja preparado para lidar com a tecnologia de ponta.

    Praça Porto Rocha

    Apesar da melhoria da aparência promovida pela paisagística Isabel Grubel, a Praça Porto Rocha continua um desastre arquitetônico/urbanístico. Os seus bancos, frutos da mais recente reforma, no governo de Marquinhos Mendes (MDB), são mais fáceis de deitar, do que sentar e quando chove o piso escorregadio é convite aos tombos para a alegria das clínicas ortopédicas da cidade.

    No Legislativo …

    As críticas de alguns portais de notícias ao governo de Serginho Azevedo (PL) tem subido de tom e de frequência, mas até o momento não tem repercutido na Câmara de Vereadores. No Legislativo, o governo mantém o controle do processo político a partir da presidência da Casa, com Wagne Simão (PL).

    Reflexão!

    O anúncio da redução acentuada dos royalties do petróleo deveria gerar uma reflexão na sociedade cabofriense sobre como foram gastos os gigantescos recursos gerados pela extração de petróleo na hoje exaurida Bacia de Campos. Que terá a dizer a dupla de Sheiks ou seriam Sultões, que durante os seu mandatos a frente da Prefeitura não economizaram nas obras de maquiagem, deixando a economia e a infraestrutura de lado?

    Cara de pau!

    O que mais impressiona é a cara de pau de quererem voltar a cena política dando conselhos, fazendo análises, como se fossem administradores de 1º Mundo. Em nenhum momento lhes toca algum sentimento de responsabilidade, cientes do imenso buraco que deixaram? Claro que não! Se assim fosse teriam partido de Cabo Frio há muito tempo.

    Cai o pano!

    O União Brasil se juntou ao PP e juntos formam a Federação União Progressista. Essa junção é apenas uma das muitas que vem por aí atrás do dinheiro do Fundo Partidário e ao direito sobre as emendas parlamentares na Câmara Federal. Não existe, pode ter certeza caro leitor, nenhuma questão de princípios ou algo que possa se assemelhar a ideologia. Cai o pano!

    Prosperidade para quem?

    O mesmo acontece no campo das diferentes denominações religiosas (nunca o Brasil teve tantas e tão voláteis). Os torcedores dos clubes de futebol são muito mais fieis aos escudos de seus times, que os fieis dessas primeiras décadas do século 21, que atraídos pela “teologia da prosperidade” (letra minúscula mesmo) mudam de denominação religiosa de acordo com a promessa mais reluzente. A pergunta é: prosperidade para quem?

    Folclore Político

    Os mineiros Magalhães Pinto e Tancredo Neves. Foto Orlando Brito

    São várias, muitas, as histórias que se contam dos expoentes da política de Minas. Todas são ótimas e fazem parte do anedotário sobre esses personagens do Poder nas Gerais. Famosos pela astúcia, capacidade de engendrar artimanhas, Tancredo Neves e Magalhães Pinto são a expressão da matreirice. E por isso mesmo chamados de “raposas”.

    Magalhães foi deputado, senador, ministro, banqueiro e governador de Minas, nascido em Santo Antônio do Monte. Sempre foi considerado cacique da política, conservador, líder da UDN – União Democrática Nacional.

    Tancredo Neves, natural de São João Del-Rei, advogado, também foi deputado, senador, ministro e governador. Foi eleito presidente, mas não chegou a assumir o Palácio do Planalto. Era expoente, ao lado de Juscelino Kubitschek, do PSD – Partido Social Democrático.

    Magalhães Pinto apoiou do Golpe de 1964 que derrubou João Goulart da Presidência da República. Tancredo Neves foi ministro da Justiça de Getúlio Vargas e primeiro-ministro durante a curta vigência do parlamentarismo no Brasil.

    Um belo dia, nos tempos do regime militar, na década de 1970, Magalhães encontrou-se casualmente no saguão do antigo Aeroporto da Pampulha com o tradicional adversário, Tancredo Neves. Então lhe perguntou:

    — Uai, Tancredo, você está embarcando para onde?

    — Para o Rio, uai, respondeu Tancredo Neves.

    Magalhães Pinto, então se despediu e comentou ao pé do ouvido do amigo e companheiro de partido Zezinho Bonifácio, experiente e matreiro igualmente a ambos e que estava ao seu lado:

    – Esse Tancredo pensa que eu sou bobo. Diz que vai para o Rio pra gente pensar que ele vai para Brasília. Mas ele vai é pro o Rio mesmo.

    Orlando Brito

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  • O GUIA DOS CORNUDOS
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    Outro dia me referi numa crônica ao Guia dos Cornudos, livreto de François-Marie-Charles Fourier, que viveu no agitado período da Revolução Francesa.

    É interessante que numa época de tanta inquietude e ardor revolucionário o escritor vanguardista aproveite a ocasião para com humor fazer crítica de costumes através de minucioso catálogo, elencando dezenas de tipos e comportamentos dos cornos e suas mulheres.

    Não me arrisquei a desvendar os motivos de ter sido escolhido por uma querida amiga para receber, em plena Páscoa, presente, digamos curioso. Podia ter dado semelhante brinde ao marido, um maduro professor meio adoentado ao qual foi recomendado um veterinário, na tentativa de recuperação da quase eterna frouxidão das carnes e músculos.

    Como não poderia deixar de ser a leitura do Guia dos Cornudos é deliciosa, até porque se consegue, com a devida paciência, encaixar todos os amigos, conhecidos e nós mesmos, nos modelos estabelecidos por Fourier. Eis alguns exemplos citados pelo autor:

    – “Cornudo de prescrição – É o que se ausenta, fazendo longas viagens durante as quais a natureza fala aos sentidos da sua mulher que, embora, defendendo-se durante muito tempo, acaba assediada pela duração excessiva das privações é obrigada a aceitar o socorro de um vizinho caridoso”.

    – “Cornudo corneta – É o que espalha ao público as suas lacrimosas confidências, precisando: ‘Apanhei-os com a boca na botija, meus senhores’.

    – “Cornudo sonso ou camaleão – É o que se zanga com este Manual e me chama ofensor dos costumes, tartufo, sentencioso cheio de fórmulas e edificantes anedotas….”

    O autor enumera 76 tipos de cornos e encerra magnífico com o ‘cornudo de repouso’ – É o casado com uma mulher tão feia que, nem ele nem os outros, a imaginam capaz de arranjar amante. Será este o caso que à mulher confere melhores possibilidades de um divertimento tranquilo, pois amantes há de encontrá-los sempre, mais não seja com liberalidades ou pelo capricho de alguns homens em gostar das feias.”

    Após muitos apelos emprestei o livreto a obsequiosa e atenta leitura de vetusto amigo, passado dos setenta. Ao chegar em casa, libidinoso, se despiu, ficando apenas de cuecas frente ao implacável espelho e com os olhos marejados constatou e sentenciou: “você está uma merda”!

    Sob o olhar judicioso, mas compreensivo da mulher!

    Cai o pano!

    Manoel Lopes da Guia Neto

  • A MISSA DE SANGUE

    Em vida de sua primeira mulher, foi a pérola dos maridos e, sobretudo, um
    monstro de fidelidade. Saía do trabalho, digamos, às seis horas. Às vezes, parava um segundo, tomava um cafezinho em pé e era só. Pendurava-se no primeiro bonde, com a ideia fixa de chegar em casa. Estavam casados há seis anos. Pois se gostavam como na lua de mel; viviam num agarramento de meter inveja nos casais infelizes. O comentário geral era o seguinte:
    — Parecem dois namorados!
    De fato, pareciam. Namorados, noivos ou casadinhos de fresco. Ainda por cima, ciumentíssimos um do outro. Qualquer coisinha, Penteado rosnava:
    — Modos!
    Para evitar brigas não brincavam no carnaval. Se iam a uma festa, Clélia devia entrar mancando e espalhar, aos quatro ventos, com ar de mártir:
    — Estou com o pé machucado.
    Engraçadíssimo se um deles bocejava na presença do outro. Vinha o mundo abaixo. Ela, então, não perdoava, dava muxoxo, batia com o pé, fazia má-criação. Incluía o bocejo entre os sintomas clássicos, inconfundíveis, dos finais de amor. Estabelecia o seguinte raciocínio estapafúrdio: “Se ele tem sono ao meu lado, se abre a boca, é porque não gosta mais de mim.” Ou então, estava gostando menos. Penteado tinha que jurar por todos os santos que sua paixão era cada vez mais feroz, etc., etc. A briga acabava em beijo. Ele acompanhava com a ponta da língua o
    contorno de sua orelha pequena e sensível. Ela, morena, nortista, com propensão para engordar, terminava num dengue irresistível:
    — Tu gosta muito dessa gatinha, gosta?

    A Catástrofe

    Um dia, Penteado entra em casa e encontra Clélia com febre. Pediu o
    termômetro emprestado no vizinho. Findos os três minutos, ergue o termômetro e verifica a temperatura: quarenta graus! Quase caiu para trás. No seu pânico, quis telefonar para a Assistência. Chamaram-no à razão:— Assistência pra febre? Sossega, Penteado, toma jeito!
    Não faltou quem o confortasse, dizendo:
    — Algum resfriado besta!
    Durante dez dias fez-se o diabo. Clélia tomou tudo quanto foi remédio; injeção, soro, transfusão de sangue e até tenda de oxigênio. Penteado, que ganhava 18 mil cruzeiros mensais, gastou como um Rotschild. Quando soube do preço da tenda de oxigênio, estava no auge de sua dor, incrustou, entre os seus gemidos, um protesto:
    — Que exploração!
    E continuou a chorar. No drama de Clélia, havia uma coisa que o punha fora de si: o delírio. Arremessava-se, então, para fora do quarto; esbarrava nos móveis; trancava-se na privada e soluçava como uma criança. Na verdade, o delírio da doente era algo de aterrador.
    Clélia dizia tudo quanto era absurdo, inclusive coisas de escandalosa
    inconveniência, até nomes feios. Precisavam quase amordaçá-la. Um dia, um médico de emergência, chamado às carreiras, esteve no quarto, com a doente, examinando-a. Apareceu na porta e convocou Penteado:
    — O senhor quer vir aqui um instantinho, Seu Euzébio? Penteado sobressaltou-se:
    — Euzébio?
    Instintivamente, olhou em torno, à procura de um possível Euzébio. No
    momento, porém, só ele estava na sala; tratava-se, portanto, de sua pessoa. Veio, atônito, ao encontro do médico. Este insistiu:
    — Olha, aqui, Seu Euzébio…
    Retificou:
    — Alberto. Alberto Penteado.
    Espanto do médico:
    — Como? Não é Euzébio?… Mas ela só fala em Euzébio… Quer dizer que…

    O Delírio

    Penteado invadiu o quarto, assombrado, enquanto o médico, já desconfiado de alguma inconveniência, estava, ao lado, mudo. Os dois, sem uma palavra, foram testemunhas do delírio que virava, pelo avesso, a pobre esposa. Toda a piedade anterior de Penteado se fundia agora numa curiosidade insaciável. O próprio médico, esquecido da função profissional, estava atento e sôfrego, como um ouvinte
    de novela. E Clélia só falava num nome e numa pessoa: Euzébio, só Euzébio, para sempre Euzébio. Dir-se-ia que não existiam no mundo outras pessoas, outros nomes. Não houve uma tênue, remota referência ao marido. De repente ergueu-se; veio descalça, cambaleando, e coincidiu que caminhou na direção de Penteado. Ele, estupefato, não fez um gesto. Sentiu-se abraçado, beijado por uma boca quente e
    esfomeada; Clélia gemia:
    — Euzébio… Euzébio…
    Em oito dias de doença, ficara irreconhecível. Fora sempre cheia de corpo: fazia, de vez em quando, regime para emagrecer. Agora, porém, estava que era um esqueleto, um rosto de caveira. Caindo em si. Penteado desprendeu-se, brutalmente. A doente desequilibrou-se e cairia se o médico não a amparasse.

    O Novo Drama

    Penteado saiu, batendo com a porta do quarto. Naquele momento, em que se capacitava, subitamente, de sua condição de marido enganado, houve uma coisa que doeu, nele, como uma nevralgia: as despesas que vinha fazendo. Com a moléstia da mulher, contraíra dívidas, recorrera a amigos, parentes, agiotas e vizinhos. E, sobretudo, teve uma raiva cega e obtusa da tenda de oxigênio, que custava um dinheirão. Andando de um lado para outro, fez uma reflexão de uma graça triste: muito cara a agonia da esposa! Pouco a pouco um furor estéril apoderou-se do pobre-diabo. Precisava fazer alguma coisa que libertasse a raiva contida. Viu uma cadeira na frente. Ótimo. Deu um chute na cadeira. E a dor física, a dor das canelas esfoladas, serviu-lhe de alívio. Repetia:
    — Cínica! Cínica!
    O médico, que surgiu magicamente diante dele, pôs a mão no seu ombro:
    — Tenha fé em Deus!
    Penteado odiou esse homem, testemunha de sua vergonha conjugal. Berrou:
    — Ora, vai-te para o diabo que te carregue!
    Ficou só. Disse a si mesmo que não pagaria mais uma injeção, um comprimido, para “essa cara”. Não conseguia compreender, porém, que a mulher o tivesse traído sem inspirar uma suspeita, nunca, sem deixar uma sugestão de infidelidade. Jamais um pecado se consumara com tão perfeito sigilo! Continuou a agonia. Receitaram transfusão de sangue, mais câmara de oxigênio, etc. Penteado foi brutal:
    — Não sou o Banco do Brasil!

    Flores

    Já mudara por completo de atitude, com grande escândalo dos vizinhos e dos parentes. Todo mundo sabia, é claro, que existia na vida de Clélia um Euzébio. Seus delírios inspiravam uma curiosidade tremenda: as comadres invadiam o quarto da moribunda, na expectativa de outras revelações. Mas soubesse o marido ou não, todos achavam que, enfim… Quando a moça morreu, uma tia da morta veio buscá-lo na sala; baixou a voz:
    — A um morto se perdoa.
    Ele entrou no quarto. Clélia não morrera ainda. Na última golfada, de um
    líquido escuro, veio o nome de Euzébio. Vizinhas choravam; e Penteado, sem nenhuma simulação, voltou para a sala, lentamente. Duas ou três senhoras da rua tomaram conta do ambiente; um vizinho partiu, de táxi, para tratar do enterro. No meio das crises iniciais, surgiu um crioulinho, funcionário da farmácia, com uma conta nababesca. Penteado olhou o papel timbrado com absoluto desprezo.
    Devolveu-o; numa ostentação desagradabilíssima, virou os dois bolsos pelo avesso:

    — Não tenho níquel!
    Justiça se lhe faça: embora sem derramar uma lágrima, não se afastou um
    segundo do corpo, a não ser para apanhar, no guarda-roupa, uma gravata preta. Às sete horas da noite, teve uma lembrança, que causou penosíssima impressão: encomendou uma coroa, mandando assinar “Euzébio”. E ficou controlando a chegada das flores. A coroa chegou quase de manhã e era, de fato, linda, de orquídeas brancas. O próprio Penteado escolheu um lugar bem visível. Na saída, culminou sua impiedade. Na frente de todo mundo, deu a ordem:
    — Esta coroa vai em cima do caixão.

    A Missa

    Esta maldade sóbria e raciocinada arrepiava. Disseram horrores de Penteado. Parentes da morta o ameaçaram:
    — Deus castiga! Deus castiga!
    E ele:
    — Paciência.
    A tinturaria tingira, de preto, às pressas, dois ternos. Pode trajar o luto fechado: e foi, em pessoa, tratar da missa que, como de praxe, teve lugar sete dias depois, com música e canto. De preto, assistiu a tudo, incomovível: só tinha mesmo de viúvo o terno da tinturaria. Terminada a cerimônia, recebeu, na sacristia, as condolências. Uma das senhoras, ao abraçá-lo, percebeu o volume do revólver.
    Ficou restando um sujeitinho, magrinho, pequenininho, de barba crescida, que veio cumprimentá-lo; apertaram-se as mãos e o sujeito ciciou, ao sair:
    — Euzébio de Almeida, seu criado.
    — Ah, perfeitamente! Pois não!
    Vieram os dois caminhando, lado a lado, por entre as imagens de santos nas paredes. Quando chegaram na rua, Euzébio despediu-se, pela segunda vez:
    — Passar bem, passar bem.
    Penteado deixou que ele virasse e, pelas costas, deu-lhe três tiros. Houve
    correrias, atropelos. Euzébio morreu, ali mesmo, na calçada.

    Nelson Rodrigues – 1912/1980.

  • PAISAGENS DE CABO FRIO – JOÃO FÉLIX

    Paisagens de Cabo Frio – JOÃO FÉLIX.

  • PEQUENAS DOSES

    Edição Especial

    Amanhã, 7 de maio, Moacir e Rodrigo Cabral lançam a edição especial comemorativa dos 35 anos da Folha dos Lagos. Segundo Moacir, o fundador, “será um verdadeiro documento, com material diversificado e oportuno para celebrar essa longevidade do jornal.”

    Despoluição visual

    Serginho Azevedo (PL) e Miguel Alencar (União Progressista) lançaram o programa de limpeza e despoluição da rede aérea superlotada de fios e cabos de telefonia e internet, que enfeiam a cidade. O lançamento foi no Largo de São Benedito, no bairro da Passagem, um dos pontos turísticos mais importantes de Cabo Frio.

    Despoluição visual 2

    Quem sabe a Prefeitura e a Enel assinam um convênio para enterrar a fiação no município, tendo como ponto de partida o Largo de São Benedito, no bairro da Passagem? Afinal, seria um grande avanço estético e urbanístico para Cabo Frio, que pretende deixar de ser balneário da Baixada Fluminense e se tornar ponto importante de atração de turistas.

    Obra inacabada

    Em tempos passados o então prefeito Alair Corrêa alardeou aos quatro ventos que reurbanizaria a Avenida Joaquim Nogueira, no bairro de São Cristovão. Entre as mudanças, diminuiria a largura das calçadas e enterraria a fiação. Não fez nem coisa e muito menos outra, terminou o governo e a obra ficou inacabada. E no Guarany? O mesmo desastre.

    Eventos

    Alguns dizem que os eventos não representam o desenvolvimento de uma política de turismo. Não há dúvida, porém, que a qualidade dos eventos acaba por direcionar as correntes turísticas de tal forma, que qualificam a imagem das cidades como polos de recepção e bom gosto. Rio das Ostras e Búzios são exemplos que devem ser observados pelo empresariado e o poder público de Cabo Frio.

    O Canhão!

    O canhão que desapareceu do Forte São Matheus, na década de 50, levado por estudantes de Nova Friburgo, está de volta a Cabo Frio. O trabalho de resgate do canhão do século XVII foi feito com a participação do vice-prefeito Miguel Alencar e do pesquisador e historiador Elísio Gomes que não desistiram de trazer o artefato histórico de volta para a cidade.

    Restauração

    O Blog espera que as autoridades municipais da área da cultura tratem essa peça histórica e outras tantas, que existem no município com o respeito que elas merecem. Seria da maior importância que a partir desse resgate relevante para Cabo Frio fosse iniciado um processo de restauração cuidadosa das outras peças de artilharia, que se encontram em péssimo estado no interior do Forte São Matheus.

    As Motos

    O Blog insiste que os moto boys e os chamados motoqueiros, apesar da prometida repressão da Prefeitura, continuam fazendo bagunça no trânsito da cidade. Quem sabe seria interessante convocar não apenas os moto boys, mas também as empresas que trabalham com delivery para ao menos tentar amenizar o problema.

  • O LADO DA EXTREMA IGNORÂNCIA

    No Brasil surreal de hoje a educação e os professores são criminalizados e comparados a traficantes nas falas de deputados obtusos e ignorantes. Isso não é diferente aqui na nossa cidade, pois alguns vereadores “odeiam” professores. E o pior, eles bradam sua ignorância para aplausos de muitos outros ignorantes e obtusos.

    O principal representante deste lado da extrema ignorância no país é sem dúvida o clã Bolsonaro, capitaneado pelo escroque-mor e gerador desta “manada”, Jair Messias Bolsonaro. Aqui em Cabo Frio, são liderados pelo Dr. Serginho e seus candidatos a vereadores. Entretanto, para ser justo, reconheço que mesmo ali há algumas exceções.

    Essas figuras patéticas não são apenas de extrema direita, são de extrema ignorância e extrema burrice. Este viés neofascista que estava escondido nos “esgotos da consciência” desta turba, veio à tona com a eleição de Bolsonaro em 2018. A partir daí saíram do anonimato as mais bizarras figuras, com algumas até se elegendo a cargos no executivo e nos parlamentos municipais, estaduais e federal.

    Nesta geleia geral vieram também alguns políticos oportunistas atrás destes votos, mas que de uma forma ou de outra ainda conseguem manter nos espaços públicos e instituições um patamar razoável de civilidade. Com a derrocada de Bolsonaro, envolvido nas mais escabrosas “mutretas”, inclusive acusação de tentativa de golpe de estado, estes, tendem ao afastamento deste extremismo imbecilizado. Isso certamente representará o enfraquecimento desta extrema direita nas eleições municipais.

    Os professores “traficam” sonhos, esperança, conhecimento, justiça social e dignidade. Lutam diariamente para educar milhões de crianças e adolescentes neste país, neste estado e neste município, muitas vezes vivenciando uma situação precária em termos de estrutura, principalmente na área pública da educação. Possuem uma fibra rara e continuarão sua tarefa pedagógica com coragem e determinação a despeito destes idiotas que teimam em não reconhecer o valor da educação e seus respectivos profissionais.

    O “professor doutrinador” para estes beócios é o que ensina o aluno a pensar, que fala de direitos humanos e desigualdade social, que ensina a tolerância e o respeito a todas as opções de vida. É o professor que não pratica a “educação bancária” e que respeita todos os saberes.

    Estes políticos da extrema direita não contribuem em nada com as mais diversas políticas públicas, apenas destilam seu ódio, sua burrice e a bestialidade que os caracterizam. Eles vão passar. Pode demorar um pouco, mas eles com certeza vão passar. Entretanto, que tal começarmos este processo em outubro de 2024?

    Claudio Leitão é economista, professor de história e pré-candidato a vereador pelo PSOL.

  •  LAGOA DE ARARUAMA – DESAFIO POLÍTICO E CONFLITOS AMBIENTAIS – 10

    O texto abaixo foi compilado do livro de FABIÁN ATACÓZ (ORG) RIO DE JANEIRO 2000. Ele está inserido no trabalho de final de curso do Programa de Formação Profissional em CIÊNCIAS AMBIENTEAIS do Instituto de Biologia & Escola Politécnica/UFRJ, sob o título “DIAGNOSE DA LAGUNA DE ARARUAMA – RJ À GUISA DE VISTORIA AD PERPETUAM REI MEMORIAM”

    Luiz Fernando Vieira – Oceanólogo, Professor e Ambientalista

    Edson Bedim de Azeredo – Advogado, Especialista em Direito Ambiental e Ambientalista

    DESAFIO POLÍTICO PARA UM FUTURO MELHOR

    Há muito tempo, questão ambiental deixou de ser problema só dos governos em suas políticas públicas e passou a ser parte da vida de cada cidadão. O fato é que, para termos hoje um ambiente sadio e equilibrado, não basta só termos órgãos oficiais bem equipados e atuantes. É claro que isto é importante, mas o trato da gestão do meio-ambiente tem que permear toda a sociedade e ser reflexo da atitude responsável de cada um.

    A política mundial, e agora a nacional, passam a dar importância quando adotam a água (corpos hídricos) como referencial de qualidade ambiental, além de considerá-la um bem finito e de valor econômico, diante da triste previsão de que poderá haver conflitos no futuro pela falta de água potável no planeta.

    Neste contexto, dentro do Estado do Rio de Janeiro, a Região dos Lagos e a bacia do Rio São João são exemplos de gestão integrada dos recursos hídricos, pois criou o Consórcio Intermunicipal para Gestão Ambiental das Bacias Hidrográficas da Região dos Lagos, do Rio São João e Zona Costeira. (Consórcio Ambiental Lagos São João – CALSJ). O CALSJ reúne o poder municipal, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, empresas privadas e ONG’s, trabalhando juntos na busca das soluções e alternativas sustentáveis.

    A Lagoa de Araruama é o exemplo de claro de como este modelo de gestão pode trazer resultados, pois só agora estamos tratando de forma ampla e pratica de problemas como a redução de carga orgânica na Lagoa e de melhor circulação das águas em seu interior.

    A força política deste Consórcio certamente será, como já começa a ser, fator preponderante para não só a captação de recursos em projetos de recuperação ambiental, mas para uma descentralização das decisões deste setor, com participação e responsabilidade para todos os segmentos de nossa sociedade, gerando enfim, um compromisso da verdadeira sustentabilidade do meio-ambiente.

    Luiz Firmino M. Pereira foi Secretário Executivo do Consórcio Ambiental Lagos São João.

  • PATRIMÔNIO NATURAL DE CABO FRIO/RJ – EVANGELOS PAGALIDIS

    Patrimônio natural de Cabo Frio/RJ – EVANGELOS PAGALIDIS.


192 respostas em “BLOG DO TOTONHO”

Muito bom o artigo. Pode ser desenvolvido em outras próximas publicações. Em particular, o investimento em Educação profissionalizante. Existe algum projeto neste sentido no atual governo?

Tem um fato curioso em Maricá a ser registrado. O PT criou nos governos Lula todo o sistema de cultura que consiste em um órgão próprio gerenciando um Conselho, um Fundo e um Plano que chamamos CPF da Cultura.
Porém, só agora a única cidade administrada pelo PT desde 2005 que está implantando o seu. E eu como membro do Conselho Nacional ajudando na tarefa…

Quanto ao museu do sal, São Pedro saiu na frente, bem completo! Uma joia da região quebse junta à Casa da Flor do salineiro Gabriel como homenagem sincera ao trabalhador

Amigo,criar emprego é talvez a maior obra que o homem público pode fazer.Porém não se cria por Decreto.Enquanto o poder público for o nosso maior empregador, nada vai mudar

Lamentavelmente vemos que nos últimos anos, principalmente os últimos 10, Cabo Frio retrocedeu em comparação aos municípios vizinhos, tanto na geração de empregos quanto nas questões de infraestrutura, saúde e educação. Vamos aguardar as cenas dos próximos capítulos!

A equipe do Dom Cabral agradece efusivamente a presença do amado blogueiro no estabelecimento, bem como a nota publicada neste Blog. Obrigado.
DOM CABRAL | lugar de gente feliz

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