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A “MELHOR IDADE”

Tenho me surpreendido com a gentileza pouco comum dos motoristas que param antes da faixa de pedestres, quando vou atravessar a rua. Tento acreditar que a gentileza se deve a um surto de educação no trânsito, fruto do árduo trabalho da Guarda Municipal. Resisto à ideia que o salamaleque aconteça por conta dos meus cabelos cada vez mais brancos, ou então a barriga frondosa e as pernas pesadas que carrego com bastante dificuldade aos 73 anos.

Esta sensação me tomou por inteiro quando há algumas semanas estava na fila do caixa eletrônico do Banco do Brasil, debaixo de um sol forte e uma senhora, bem velhinha mesmo, desceu as escadas e me vendo na rabeira da fila chegou de mansinho e com discrição disse com carinho no meu ouvido: “o senhor não precisa estar aí”. Naquele momento me senti “pra lá de Bagdá”, “cantando pra subir” ou coisa parecida. Teimoso, com os pés cansados, agradeci, mas permaneci na fila que se arrastava em frente à agência.

Mais tarde, racionalizando, aproveitei para fazer uma prometida “autocrítica” e atribui ao jeito largado da vestimenta, a falta de prumo e ao meu incrível mau humor para enfrentar qualquer fila. Imaginei que a testa franzida e o ar preocupado das contas a pagar, tenham contribuído para que aquela senhora, certamente não muito atenta, tivesse colocado no meu lombo ao menos uns dez anos a mais.

Em vão! Não consegui escapar da mocinha da padaria que me passa um pito quando peço um pedaço da torta com cobertura de chocolate: “o senhor não pode comer doce, olha as taxas, diabetes não é brincadeira…”. Pressionado, troco o chocolate por uma torta diet de damasco, que não tem sabor de nada e fico praguejando baixinho.

Quase escorraçado, passo no caixa, pago o pedaço daquela coisa que me empurraram como torta e peço um cigarro a varejo. Cometi a besteira de dizer que não queria com filtro branco. O caixa tentou esboçar uma leve observação, mas a cara de pouquíssimos amigos deve tê-lo desanimado. Me senti um meliante vigiado por todos os lados. Na mesma calçada da padaria está a clínica onde meu cardiologista tem consultório. Com cuidado, atravessei a rua, apressei o passo e escondi o cigarro com a mão em concha. Escapei. Ufa!

Ninguém mais me chama de você. É senhor pra cá, senhor pra lá… ou então o detestável “tio”. A primeira vez que notei também estava numa fila, elas me perseguem, só que em frente à bilheteria do cinema. Uma garota pediu para comprar dois ingressos para ela e o namorado:

– Tio, o senhor pode comprar duas entradas pra gente?

Comprei, mas a menina não escapou da cara antipática e dos pequenos grunhidos.

Desde então, só os velhos amigos, tão velhos quanto eu, me chamam de você. Não é consolo, apenas sentimento de irmandade e cumplicidade. Só aumenta a sensação de estar no gueto, aquele tal que os espertos apelidaram da “melhor idade” pra faturar em cima dos otários.

Lopes da Guia

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