Por esses dias o joelho começou a doer. A princípio não dei bola, mas o desconforto foi aumentando, dificultando as caminhadas e me convencendo a procurar um médico. Entrei em contato com o clínico, que me encaminhou a um ortopedista. Quando entrei no consultório vi um senhor baixinho, calvo e com uma respeitável barriga, se é que barriga pode dar respeitabilidade a alguém. Senti familiaridade e imaginei que o tal Dr. Hélcio poderia ter sido meu colega nos tempos de ginásio no Pedro Álvares Cabral, em Copacabana. Que nada! Descubro que o Dr. Hélcio havia sido meu aluno de História do Brasil, no pré-vestibular quando de minha passagem pelo Colégio Werneck, em Petrópolis. Foi uma festa, para o Dr. Hélcio, é claro, que examinava, apertava daqui e dali, provocando aquele “leve incômodo”, até que veio o veredito:
– Olha professor o senhor vai fazer uma ressonância magnética, mas pelo que estou vendo aqui, disse enquanto apertava à parte interna do joelho, o senhor rompeu os meniscos e está com desgaste nas articulações.
Retruquei dizendo que não jogava bola e que estava sem caminhar há pelo menos dois anos. A resposta veio certeira: professor é claro que o excesso de peso agrava, mas a questão é a idade e se encarregou de recitar uns cinco ou seis nomes científicos para problemas da velhice, caracterizados é óbvio, como inevitáveis.
Aperreado, fiz a tal ressonância. Fiquei cerca de uma hora isolado dentro da sala branca, imóvel, vestido com uma bermuda ridícula, em companhia do tal aparelho de última geração, que emitia ruídos estranhíssimos seguido de silêncios absolutos. Como fui o último a ser atendido, num fim de tarde de sexta-feira, temi que me tivessem esquecido e que o resgate só chegaria segunda. Antes que a neura tomasse conta, a mocinha toda de branco abriu a porta, anunciando o fim da sessão e elogiando meu comportamento ‘imóvel’. O laudo, entretanto, após uma semana de espera foi inapelável: desgaste. Nem me dei ao trabalho de voltar ao Doutor Hélcio. Velhice e pronto.
Além de rir de mim mesmo, o que faço é tentar refúgio na meninice que procuro manter na pós-maturidade. Mas, sinto que o menino vai escapando pelos dedos devido à incapacidade física de domá-lo, de fazê-lo participante do meu cotidiano cada vez mais tedioso.
Fico horas conversando com os amigos, lendo o que chega às mãos, enquanto o menino quer fazer molecagens, dizer um monte de bobagens e trazer pra si o olhar das garotas que passam. Ao ficar preso, torna-se invisível, sem sabor, sem tesão.
Percebo que o menino quer ir embora de vez. Mas não vai. É parte da minha alma. O jeito é prendê-lo, usando artifícios. Prometo picolé em dia de chuva e as mariolas da infância.
Mas sinto que devo deixá-lo ir para que possa voltar a soltar pipa, jogar pião mata-cachorro, bola de gude, roubar goiaba e cajá no terreno do vizinho.
Viver tudo de novo.
Lopes da Guia