Rubem Braga – 1913/1990. Para responder, há tempos, a uma enquete de jornal, fiz um esforço para apurar minhas primeiras lembranças carnavalescas. Vi-me a mim mesmo e a meu irmão» muito pequenos mas de calças compridas, uma faixa vermelha na cintura, com bigodes e costeletas pintados a rolha queimada… De pouco mais me lembro, mas […]
Categoria: Crônica / Conto
DELICATESSEN
Hilda Hilst – 1930/2004. Você nunca conhece realmente as pessoas. O ser humano é mesmo o mais imprevisível dos animais. Das criaturas. Vá lá. Gosto de voltar a este tema. Outro dia apareceu uma moça aqui. Esguia, graciosa, pedindo que eu autografasse meu livro de poesia, “tá quentinho, comprei agora”. Conversamos uns quinze minutos, era […]
ARQUEOLOGIAS URBANAS
Ricardo do Carmo Eu venho de arqueologias urbanaspeneirando camadas de asfaltosalvando fósseis de homens apressados.Passageiro e de passagemsubo à carcaça do ônibus queimado.Minhas mãos são ruínas!Meus olhos são ruínas! Não sei se foi o acasoou ancestrais bondosos,me inventaram agorauma nova prospecção!E eu quero sim o carvãode datações mais leves.Quero soprar para longeos resíduos do ódio […]
CHORO NA CAPELA
Adélia Prado O poder que eu quisera é dominar meu medo.Por este grande dom troco meu verso, meu dedo,meus anéis e colar.Só meu colo não ponho no machado,porque a vida não é minha.Com um braço só, uma só perna,ou sem os dois de cada um, vivo e canto.Mas com todos e medo, choro tantoque temo […]
O CHANTAGISTA
Nelson Rodrigues – 1912/1980 A futura sogra, que era professora e tinha um gênio adorável, dizia sempre: – O essencial no casamento é a compreensão. E insistia, acima de tudo, num ponto que lhe parecia essencial: – Nada de discussões! Nada de bate-bocas! Fernando ouvia tudinho e, mais tarde, com os amigos, dava demonstrações do […]
ARARA BÊBADA
Dalton Trevisan Seria um donzel até ganhar a confiança de sua bela. – Você é loira natural? – O doutor não vê? – A fama da loira é de fria. Só que não acredito. – A loira não é feito a morena. – A morena é mais carinhosa. Você não é católica, é? – Sou […]
O DIABO QUE ASSOVIAVA
O problema com essas histórias todas é que é tudo offzirrécorde, como se diz atualmente. Quer dizer, quem diz não escreve e quem escreve não assina. Não tolero isso. Pode estar muito na moda, mas não me convence. Eu, você pode escrever aí: foi eu que disse. O resto de quem sabe, não querendo confirmar, […]
A MULHER MAIS BONITA DA CIDADE
Charles Bukowski – 1920/1994. Cass era a mais jovem e bonita de 5 irmãs. Cass era a garota mais bonita da cidade. 1/2 indígena com um corpo flexível e estranho, com um corpo e olhos ardentes como de uma cobra. Cass era um fogo fluido ambulante. Ela era como um espírito preso numa forma incapaz de contê-la. Seus cabelos eram […]
FIM DE TARDE
Quando a tarde começava a cair e a noitinha vinha, a inquietude, a aflição, tomavam conta lá de casa. Minha mãe sentava numa cadeira junto a mesa da copa e mandava a velha Perciliana, natural da Rasa, esquentar a janta, porque meu pai não demorava. Aquele homem de pernas compridas, camisa social branca, mangas dobradas, […]
SOBRE O INFERNO
Rubem Braga – 1913/1990. O Inferno são os outros” – diz esse desagradável senhor Sartre no final de Huis Clos, e eu respondi “eu que o diga!”. Hoje estou com pendor para confissões; vontade de abrir meu peito em praça pública; quem for pessoa discreta, e se aborrecer com derrames desses, tenha a bondade de […]