Mardônio Gomes Lima Eu esqueço fácil das coisas que não me interessam. Mas não é por mero modismo de cultura do cancelamento, é porque cansa mesmo. Eu me desprendo fácil das coisas que não me agregam. Mas não é porque sou desapegado a coisas materiais, e sim porque gosto de caminhar mais leve. Eu não […]
Categoria: Crônica / Conto
SERÁ O BENEDITO!
Mário de Andrade – 1893/1945. A primeira vez que me encontrei com Benedito, foi no dia mesmo da minha chegada na Fazenda Larga, que tirava o nome das suas enormes pastagens. O negrinho era quase só pernas, nos seus treze anos de carreiras livres pelo campo, e enquanto eu conversava com os campeiros, ficara ali, […]
O RECÉM CASADO
José Carlos Oliveira – 1934/1986. Encontro um velho companheiro de farras: — Estou indo para a Cidade — diz ele. — Agora estou trabalhando no setor imobiliário. Olha o meu dedo. (Mostra-me a aliança no anular esquerdo.) Casei. É, casei. Você lembra como a gente brigava. Pois é, mas acabamos casando. Ninguém sabe como é […]
DAQUI A 25 ANOS
Clarice Lispector – 1920/1977. Perguntaram-me uma vez se eu saberia calcular o Brasil daqui a 25 anos. Nem daqui a 25 minutos, quanto mais 25 anos. Mas a impressão-desejo é a de que num futuro não muito remoto talvez compreendamos que os movimentos caóticos atuais já eram os primeiros passos afinando-se e orquestrando-se para uma […]
Carlos Heitor Cony – 1926/2018. Havia quitandas naquele tempo. Vendiam verduras, legumes, ovos, algumas chegavam a vender galinhas em pé, quer dizer, vivas, mas eram poucas, pois todas as casas tinham quintal e todos os quintais tinham galinhas. Ia esquecendo: as quitandas mais sortidas tinham à porta, bem visíveis aos passantes, um feixe de varas […]
BUCHADA DE CARNEIRO
Rubem Braga – 1913/1990. Um dia, quando este mundo for realmente cristão, eu acho que ninguém terá coragem de matar um carneiro. Até que já devia ser pecado matar carneirinho. Tem tanto pecado na religião que a gente por dentro mesmo, não acha, não sente que é pecado – e matar um carneiro, ato bárbaro, […]
SOU DETALHISTA
Ângela Maria Sampaio de Souza Sou detalhista!Gosto de mergulhar fundo no assunto e entender com riqueza de detalhes!Penso como deveria ser torturante viver no início do século passado, quando escolhida uma profissão, ela acompanhava a pessoa até o túmulo, sob pena de ser considerado um fracassado quem não o fizesse.Gosto mesmo dos tempos atuais, onde […]
OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO
Carlos Drummond de Andrade – 1902/1987. Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.Tempo de absoluta depuração.Tempo em que não se diz mais: meu amor.Porque o amor resultou inútil.E os olhos não choram.E as mãos tecem apenas o rude trabalho.E o coração está seco. Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.Ficaste […]
OS DEVANEIOS DO GENERAL
Érico Veríssimo – 1905/1975. Abre-se uma clareira azul no escuro céu de inverno. O sol inunda os telhados de Jacarecanga. Um galo salta para cima da cerca do quintal, sacode a crista vermelha que fulgura, estica o pescoço e solta um cocoricó alegre. Nos quintais vizinhos outros galos respondem. O sol! As poças d’água que […]
PELADAS
Armando Nogueira – 1927/2010. Esta pracinha sem aquela pelada virou uma chatice completa: agora, é uma babá que passa, empurrando, sem afeto, um bebê de carrinho, é um par de velhos que troca silêncios num banco sem encosto. E, no entanto, ainda ontem, isso aqui fervia de menino, de sol, de bola, de sonho: “Eu […]