Paulo Cotias (*)
Não existe um sujeito mais verdadeiro do que o puxa-saco. Caso tivesse um pouquinho mais de tempo e paciência, Darwin poderia colocá-lo no seu compêndio sobre a evolução humana, já que o puxa-saquismo, dizem por aí, pode ser considerado uma variante genômica que originou uma nova espécie dentro do grande reino dos metazoa, filo chordata, classe mammalia, ordem dos primatas, família dos hominidae.
De modo extraordinário, esse espécime possui tanto hábitos diurnos, quanto noturnos, sendo dotado de grande paciência no processo de seleção das suas presas que, ao serem capturadas, se tornam hospedeiras, uma vez que a alimentação do puxa-saco é análoga a dos parasitas. Outra característica impressionante é o mimetismo. Até então acreditava-se que apenas polvos e camaleões tivessem essa habilidade em função dos seus cromatóforos na pele. Mas, quem precisa mudar de cor ou forma se a evolução o dota da capacidade de mudar seu comportamento, linguagem, juras de amor e fidelidade, ou até mesmo a sua memória e passado?
Foi levando tudo isso em consideração que o sujeito acordou naquele dia com o firme propósito de capturar o novo chefe. De antemão, já havia preparado o terreno. Antes do tal chefe chegar ao posto, o puxa-saco percebeu que era hora de trocar de hospedeiro, forçando o de ocasião a expeli-lo aos poucos, a afim de que não perdesse totalmente sua fonte de alimento, mas também não fosse visto como tão visceralmente ligado. E assim o fez. Um corpo mole aqui, uma frieza ali, distanciamentos até que, finalmente, o implante dos primeiros ovos no novo alvo em potencial. Chamou a presa e no pé de ouvido disparou o famoso: Não posso me expor tanto agora, mas, estamos juntos (e, assim esperava, mais junto do que o novo hospedeiro desejará).
Assim que ganhou um novo patrão, tratou de transformar o antigo em carniça. Falava que já não o suportava, que estava em avançando estado de decomposição e que, infelizmente, teve que suportá-lo em nome do imperativo flagelo da sobrevivência. Hospedeiro novo, vida nova. Para isso, havia preparado uma bela camisa que mandara imprimir, com uma foto em tamanho ampliado, no qual ele e o novo patrão estavam abraçados, como se formassem um só organismo. E assim, ficara na porta à espera para que fosse o primeiro a ser visto na repartição.
Quando o novo poderoso chegou, a criatura utilizou-se de suas ventosas para prendê-lo numa posição inescapável, tudo para lembra-lo de que ele estava ali e, claro, para fazê-lo saber que não poderia confiar em nenhuma das demais criaturas que o cercavam, apenas nele, é claro. De resto, o mesmo de sempre, mudança de foto nos perfis das redes para aquela mesma da estampa da camisa, compartilhamento, defesas apaixonadas e declarações mais apaixonadas ainda. Todas legítimas. Nunca pense que o puxa-saco é falso. Até porque todos sabem (até mesmo o hospedeiro mais incauto) qual é a verdade dos seus interesses.
E, assim, nosso espécime conseguiu ser premiado com uma bela fonte alimentar. Melhor, só precisaria deixar caminhar como sempre o paquiderme burocrático e fazer estardalhaço nas mídias. Receita clássica e infalível. Claro que pensava que merecia muito mais. Mas, tudo bem. Puxa-sacos já estão acostumados à fúria da ingratidão daqueles a quem devoram.
(*) Paulo Cotias é psicanalista e escritor. Visite o site www.psicotias.com e acompanhe os conteúdos do Canal Psicotias no YouTube, Facebook, Instagram e X (Twitter).