Paulo Cotias (*)
De vez em quando, todos deveriam pegar um livro de história para aprender um pouco mais sobre as relações políticas atuais. Falar do patronato romano sem o medo do anacronismo é quase como pintar uma tela com elementos que qualquer brasileiro atual reconheceria e juraria se tratar de um modo oportuno de falar do presente fingindo ser passado. Na Roma Antiga, os patronos eram cidadãos de elites, possuidores de terras e negócios. Ou seja, pessoas ricas e influentes. E, para serem e se manterem ricos e influentes, era necessário que alcançassem frações do poder político, justamente o que faziam. Assim, passaram a patrocinar os de classes inferiores à sua em troca do apoio necessário às demonstrações de prestígio e mobilização social.
De início, o patrocínio vinha na forma da sportula, uma pequena cesta básica de mantimentos que era dada aos seus clientes que, logo cedo pela manhã, faziam fila na porta da casa do patrono. Com o passar do tempo, os favores nessa relação de dependência foram se modificando, incluindo aí dinheiro, pagamento de dívidas e despesas, defesa em ações no fórum, conselhos e uso da influência do patrono junto aos políticos para a obtenção de favores e vantagens. Assim, toda uma classe parasitária foi se formando em torno das relações de patrocínio. O importante aqui não era a intenção de melhorar a vida da comunidade, de postular maiores direitos para as camadas mais oprimidas ou de ampliar as oportunidades de participação política e cidadã. O que estava em jogo era manter o benfeitor e, na figura dele e pertencendo aos seu grupo, manter as vantagens pessoais. O resto era papo para o Senado e os demais magistrados.
Hoje, uma quantidade expressiva de candidatos se apresenta e se deleita em tentar mostrar alguma importância como benfeitores. E são aguardados por uma quantidade ainda mais expressiva de eleitores-clientes em busca de um patrono. Nessa relação pervertida, o assistencial é confundido com trabalho político. Assim, o que vale aqui é o eleitor aproveitar a oportunidade de explorar ao máximo um patrono e, no seu imaginário, está mais do que certo em tentar obter alguma compensação pelo voto que dará a ele para que usufrua de todas as delícias, vantagens e prosperidade que o poder vai lhe proporcionar. Para piorar, o eleitor sabe que seu patrono vai se dar bem e vai conseguir isso pela corrupção. Então, por que logo ele, um pobre cliente, ficaria sem sua parte nesse jogo? Já a sportula contemporânea pode vir também de várias formas, a cesta básica, materiais de construção, contas de luz e água, o gás do mês, a depender da influência do patrono uma portaria, um contrato, um acesso preferencial aos serviços públicos, uma preferência em licitações e tantas e tantas formas, cada qual de acordo com o que pode valer o cliente.
Desse modo, falar em melhoria, transformação, mudança, renovação, é um exercício quase anedótico. A não ser que o eleitor aprenda a ser cidadão. Esforço que não virá tão facilmente dos candidatos…
Paulo Cotias é professor, historiador e psicanalista.