Luciana G. Rugani
O tempo passa, e isso é um fato inconteste. Nascemos e, a partir daí, nossas células começam a amadurecer dia a dia, ou seja, a envelhecer. Por mais que, às vezes, não pensemos nisso, ou não queiramos acreditar nisso, temos aí uma premissa incontestável e da qual não escapa nenhum ser humano vivo. Entretanto, para algumas pessoas, essa verdade parece caber apenas a alguns seres. Talvez, quem sabe, elas vivam em permanente ilusão, ou em um mundo paralelo em que a biologia humana funcione de maneira a perpetuar a juventude em seus corpos.
Na semana passada, uma amiga me relatou uma cena que teria presenciado em uma fila preferencial e que retrata um triste e lamentável episódio de etarismo praticado por uma (pasmem!) idosa. Segundo ela me relatou, ela e outros idosos aguardavam atendimento na fila, quando, em dado momento, duas idosas iniciaram uma discussão em consequência de uma delas ter tentado passar na frente da outra. E, em certo ponto da contenda, uma delas começou a ofender a outra com adjetivos pejorativos sobre sua aparência física, com considerações negativas em relação à idade, e em especial, sobre a aparência de sua pele envelhecida pelo decorrer dos anos. A ofensora (que aparentava possuir melhor condição social que a ofendida) utilizava a agressão verbal para atingir a outra justamente em relação ao fato de ela ser uma idosa. A minha amiga, que me disse ser uma de suas características mais marcantes a capacidade de indignar-se com injustiças, não deixou por menos e entrou na discussão. Buscou esclarecer, destacou o fato de o etarismo hoje ser tipificado como crime, argumentou tentando fazer despertar a lucidez na ofensora, entretanto me confessou haver sentido tristeza ao perceber o quanto estão endurecidas essas pessoas que cultivam o preconceito, o quanto essas pessoas estão com suas mentes fechadas em torno de ideias e pensamentos nocivos, sem a menor tolerância e empatia para com outras. Preconceito é algo abominável, e mais abominável ainda é o preconceito entre pessoas de um mesmo segmento, pois elas ajudam a reforçar o preconceito estrutural que se encontra enraizado na sociedade e contra o qual deveria haver unânime combate. Pessoas como essas possuem o germe do preconceito tão intenso e presente dentro de si, que não percebem que estão sendo violentas não somente com o outro, mas também com elas próprias. Destacar negativamente no outro algo que existe em si, ou não ter a empatia suficiente para colocar-se no lugar do outro, ou ser incapaz até mesmo de imaginar que, amanhã, ela mesma poderá ser vítima dessa ou de outra espécie de preconceito, demonstra o quanto a pessoa não aceita a sua própria humanidade. Parece fugir de uma realidade da qual ela mesma faz parte e da qual é impossível apartar-se, e, nessa fuga, acaba abandonando a lucidez e enxergando a si mesma como alguém que conseguirá driblar a lei natural da vida. E, às vezes, por mais que se argumente com essa pessoa, ela não ouvirá os argumentos. Contra eles, construirá uma barreira protetora para que eles não a façam chocar-se com a realidade da qual ela deseja imensamente fugir.
Talvez isso possa explicar a existência não somente da gerontofobia, mas também do etarismo. Quando vejo uma pessoa idosa com preconceito contra outra pessoa idosa, acredito que o medo exagerado de envelhecer possa estar na raiz desse preconceito. A gerontofobia, caracterizada por uma forte aversão ao processo de envelhecimento, pode acabar levando à prática do etarismo, que é o preconceito em relação à idade. É como se o medo de ser uma pessoa idosa a fizesse querer afastar-se dessa realidade e, para isso, passasse a repudiar e a ofender outros idosos. Creio que a esse caso, assim como a outros preconceitos, aplica-se aquela conhecida “regra geral”, segundo a qual tudo aquilo que nos incomoda no outro nos remete a algo que temos em nós mesmos.
Para essa senhora, protagonista do fato que minha amiga relatou, com certeza faria muito bem um trabalho psicológico. Além disso, cá entre nós, se pararmos para pensar, ao temermos o envelhecimento será que não estaríamos temendo o próprio ato de viver? Afinal de contas, não é lutando contra os ciclos naturais que encontramos a felicidade, mas sim na soma dos tantos e tantos momentos em que permitimos a presença dela em nossas vidas e, para isso, enxergar o benefício de cada ciclo que vivemos e aceitar as etapas naturais que nos caracterizam como seres humanos são passos essenciais!
Debater publicamente esse assunto se faz necessário. Ao trazermos tristes episódios como esses para reflexão, colaboramos com a desconstrução dos tantos preconceitos enraizados em nossa sociedade e também poderemos contribuir para uma autorreflexão em prol de um viver mais leve, com menos temor e mais amor para com a vida e seus ciclos naturais, além de mais empatia com o outro, tão humano quanto nós.
Luciana G. Rugani
Academia de Letras e Artes de Cabo Frio – ALACAF e Academia de Letras de São Pedro da Aldeia – ALSPA