Categorias
Crônica / Conto

FIM DE TARDE

Quando a tarde começava a cair e a noitinha vinha, a inquietude, a aflição, tomavam conta lá de casa. Minha mãe sentava numa cadeira junto a mesa da copa e mandava a velha Perciliana, natural da Rasa, esquentar a janta, porque meu pai não demorava.

Aquele homem de pernas compridas, camisa social branca, mangas dobradas, calças cinzas, largas, que ao final da tarde chegava, sem retidão e aprumo, deixava todos agoniados.

Atentos a esquina da Avenida Nossa Senhora da Assumpção, com Rua Miguel Couto pra ver quando o jipe pegava o rumo, levantava alguma poeira, manobrava e estacionava a frente da casa avarandada.

A freada e o alinhamento com o meio-fio diziam quase tudo.

Ele descia do jipe e eu saia correndo pra dentro de casa e informava minha mãe com o olhar de criança.

Feliz da vida quando mesmo com as pernas frágeis, ele se jogava no banco de madeira, embaixo da janela, na varanda lateral da casa, esticava as pernas, chamava as crianças, que corriam pra lhe tirar os sapatos, fazer cafuné caprichado e logo cochilar.

A janta ficava para depois, mas isso não era importante.

Menino, eu assistia a tudo sem ousar me aproximar. Medo de acordá-lo e estragar um daqueles momentos cada vez mais raros em nossas vidas.

Queria ser uma daquelas crianças.

(*) Manoel Lopes da Guia Netto.

(**) Texto revisitado esta manhã.

Compartilhe este Post com seus amigos:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *