Paulo Cotias
É um equívoco interpretar o resultado das últimas eleições, ou mesmo os movimentos recentes da justiça brasileira como sinais de que o neofascismo deixou de ser uma ameaça real. Pelo contrário, 2024 será um campo decisivo de disputas entre ele e o que podemos considerar não mais como progressismo, e sim como campo civilizacional-democrático.
As bases do neofascismo brasileiro permanecem, ainda, intactas, articuladas e contando com todos os elementos que o mantém ativo: liderança unificadora, lideranças de suporte, arautos, estética, credo, partidos, financiadores, adversários imaginários, terror constante por ameaças estapafúrdias, negacionismo, comportamento de seita, modelagem de milícia e um multiverso que seduz e atrai uma quantidade expressiva de adeptos, composto por um vasto campo de desinformação, forjado em preconceitos, oligofrenia e na cultura da violência dirigida como linguagem e método.
Se faz necessário sensibilidade, mas também acuidade para compreender que as disputas nas urnas desse ano não serão apenas por mandatos. A urna e o voto serão os mesmos, porém, os neofascistas produziram vorazmente ao longo do tempo uma distopia fundada em um sólido conceito próprio e distorcido do que é a democracia, o mesmo para a liberdade e os limites do que pode ou não ser feito na política. Pior, definem um novo e perverso maniqueísmo pelo qual arbitram quem é do bem ou do mal e no qual as alteridades são solapadas pela força. Do outro lado, essas mesmas urnas estarão disponíveis para o campo civilizacional-democrático, igualmente transcendendo a disputa por mandatos, colocando na verdadeira lide o tipo de sociedade, instituições e espécie que desejamos proteger e aprimorar.
O que isso implica? Que o campo civilizacional-democrático não tem o direito de provocar o colapso por pura vaidade, incapacidade de diálogo, falta de visão estratégica e inabilidade na articulação. Não pode se dar ao luxo de considerar que personagens isolados serão os salvadores da pátria e, caso não sejam os protagonistas, permitir a vitória do neofascismo com a crença estúpida do “quanto pior melhor”, ou na ainda mais estúpida visão de que após a tempestade eles ou elas serão os líderes do novo amanhã. Até porque a chance de não haver esse amanhã tão cedo é praticamente um fato.
E implica especialmente na imperiosa necessidade de as lideranças baixarem o facho da vaidade e da soberba e entenderem que o momento é o da união. Somente unido, o campo civilizacional-democrático poderá derrotar o neofascismo nas eleições municipais em nosso país. Em outras palavras, serão eleições nas quais a polarização em dois campos será o único caminho. Infelizmente, uma terceira ou mais vias, seja lá por qual mão de direção política venha, não passa de um delírio ou de um engodo.
Até que consigamos consolidar novamente a pluralidade programática da democracia (e isso exigirá um imenso esforço), há que se engolir sapos, rãs, cobras e lagartos para uma composição. Acomodar os personagens políticos (e os seus lustrosos egos) em espaços de protagonismo possíveis, formar um bloco competitivo e aguerrido de agentes políticos e atrair o máximo de quadros inteligentes e qualificados para a elaboração de programas de governo e de participação na própria gestão. E, com o devido tempo, a pluralidade de grupos será retomada, mas de forma civilizada e democrática.
A vitória do neofascismo não será por seus méritos ou diferenciais. Está fazendo o mesmo que sempre fez e já sabemos muito bem o que fará quando no poder. O grande responsável pela vitória do neofascismo será o campo democrático-civilizacional, caso não assuma sua responsabilidade histórica. E que os incapazes de perceber isso arquem com o peso da culpa.
Paulo Cotias é Professor, Escritor e Psicanalista.
Uma resposta em “ALERTA: A UNIÃO É O ÚNICO CAMINHO”
Muito bom artigo e análise!