“Maria vai quase desmaiada, o seu corpo desequilibra-se a cada instante
em cima do seirão, José tem de ampará-la, e ela, para poder segurar-se melhor, passa um braço por cima do ombro dele, pena que estejamos no deserto e não esteja aqui alguém para ver tão bonita imagem. E assim vão entrando em Belém”.
José Saramago, em o Evangelho Segundo Jesus Cristo
No silêncio da estrebaria
Nasceu o filho de Maria
Junto aos bezerros e jumentos
O menino tem somente o acalento de seus pais
E a companhia dos animais
No silêncio do anoitecer
Nasceu aquele
Que por mim veio a morrer
Menino Jesus
No teu berço de luz
Mostre-me novamente
O caminho da cruz
Menino Jesus
Não tenho ouro
Não tenho incenso
E já perdi até o bom senso
Mesmo assim, menino pequenino
Leve-me de volta
Para a manjedoura
Para que eu venha
Novamente a nascer
E assim, criança
Contigo
Eu venha a viver!
Aproximadamente dezessete anos, grávida, inexperiente. Viajando no meio de uma noite escura, no lombo de um jumento, a barriga de tão grande fazia doer a coluna, os quadris e tudo mais. Os pés e mãos inchados, os seios doendo tanto. Ela estava muito enjoada, com muita dor. O estresse era grande. De dia trafegavam sob o sol e durante a noite, nada enxergavam a não ser a luz dos vaga-lumes. A bolsa estourou! Ela, José, que provavelmente não sabia muito o que fazer para amenizar as dores do trabalho de parto de sua esposa e um animal. O neném já estava nascendo, não havia hospedarias disponíveis em lugar algum, teve que ser numa estrebaria mesmo; sem uma cama com lençóis limpos, sem o conforto de um lar, sem parteira, sem nada. Deitada sob um monte de palha, não havia toalhas limpas, não havia um lugar para tomar um banho , não havia ninguém para lhe servir uma comidinha gostosa. Estava exausta, afinal, o parto foi muito difícil, doeu muito, levou muito tempo, ela teve que usar todas as suas forças. E mesmo assim, quando nasceu o menino, o céu brilhou de uma maneira diferente. Muitos não sabiam que ele era o salvador, mas os animais sabiam, então os bichinhos se entreolharam e olharam para o menino; não mugiram naquela noite, permaneceram calados para não acordar a criança. Maria, exausta, pegou seu menino nos braços, José deitou-se ao lado dela e os dois, com todas as dificuldades, embalaram o neném. E foi na estrebaria sua primeira mamada, foi no curral onde o menino recebeu suas primeiras visitas, e foram assim as horas que sucederam o parto; terríveis, dolorosas, estressantes, angustiantes…O rei nasceu na estrebaria; um lugar escondido, onde só os animais habitavam. Um ambiente pobre, sem conforto, sem nada. Um lugar que normalmente ninguém visita e de muita solidão.
Muitas coisas ainda podem nascer no curral do nosso coração, onde habitam nossos medos, nossas tristezas, nossa dor e nossa angústia, onde mantemos os nossos bichos mais ferozes. Apesar de todas as dificuldades, algo muito especial, muito belo, e muito precioso pode nascer em nós, se abrirmos a nossa manjedoura para o menino habitar e com sua luz iluminar, iluminar, iluminar.
Um abraço bem forte, a todos vocês!
Luciana Rocha