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PARA QUEM ACHA QUE NÃO EXISTIU DITADURA MILITAR

Data: 26/09/1985 – Escritor José Carlos Oliveira – Editoria: Cultura – Foto: Gildo Loyola/Neg.10243 – Jornal A Gazeta – CULTURA – Literatura

Eu e Vinicius estávamos no Antonio’s.
Vinicius foi ao banheiro, quando se aboletou em nossa mesa o louro, alto e problemático Marcelo.
Pedi licença ao Marcelo e fingi que vou telefonar.
Vou ao banheiro encontrar-me com o Vinícius.

Olha, Vinícius, tenho que lhe dizer uma coisa desagradável. Aquele cidadão sentado conosco surgiu assim de repente e colou em mim. Toda tarde vem e fica sentado comigo até sete horas da noite, mas às vezes fica até a manhã seguinte. Não é desagradável. Ao contrário, me parece até excessivamente simpático, escutando sob a maior fé todas as minhas mentirinhas.
Mas segunda-feira passada tomou um porre errado, perdeu os escrúpulos e me mostrou documentos que provam ser um oficial graduado da chamada Comunidade de Informações. Entendo que você não tem nada a temer, pois todo mundo sabe tudo a seu respeito, mas o fato é que ninguém pode imaginar o que aquele senhor pode estar maquinando.

Que bom que você me tenha alertado – diz o poetinha. – Coitado. Se ele pretende descobrir alguma coisa por nosso intermédio, vai morrer bêbado aqui, sem saber nada. Você fique tranquilo, estou avisado e vou tomar providências.

Quais providências você vai tomar?

Vamos corrompe-lo.
Dito e feito. Em menos de cinco minutos, o poetinha arranca de Marcelo revelações intimas. Marcelo está casado há
seis anos com uma linda mulher; moram no Grajaú; Marcelo ama e é amado, porém não está feliz.
Sua linda mulher é frígida.

Ora, meu amigo – contesta Vinícius -, não existe mulher frígida; o que existe é mulher mal administrada
Marcelo pede esclarecimentos.
-As zonas erógenas, meu filho.
Vinicius lhe dá uma aula de anatomia feminina, descrevendo as carícias correspondentes a cada porção do corpo da mulher. Marcelo escuta
embaraçado: – mortalmente pálido, um protesto estrangulado que ele forceja por soltar da garganta, mas o protesto não sai.

Você chega em casa hoje mesmo e faça o que lhe digo. Comece por um banho morno, um banho de imersão, e vá ao encontro dela num pijama bem passado. Vá cheirosinho, vá com gestos delicados, vá com palavrinhas excitantes, que mulher adora mordidinhas na orelha e palavrõezinhos sussurados. Esqueça que ela é sua esposa, mesmo porque não é assim que se diz. Ela é sua mulherzinha, sua femeazinha, sua putinha querida. E você também tem que ser um puta sacana se quizer ser o homenzinho dela.
Marcelo escuta, pronunciado por um ilustre desconhecido, a verdade oculta nas dobras de sua timidez; nos últimos seis anos, sofreu calado ao pé da bela adormecida, mas sem ter feito sequer um movimento no sentido de acordá-la. Mas, segundo Vinícius, ainda há tempo: é sempre tempo de acordar mulher.
O diálogo é dramático e obsceno. Minete, cunete, felação, 69.
O louro no final curva a cabeça, sem argumento nem ânimo para contrapor sua moral de marido às razões de amante apresentadas por Vinícius.
Tendo chegado às três da tarde, Marcelo se vai às dez horas da noite, bêbado e extenuado. Nunca mais voltará.

Extraido do livro: Um Novo Animal na Floresta – Romance Bastardo
Autor: José Carlos de Oliveira.
Editora: Codecri
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Colaboração de Geraldo Afonso de Castro.

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