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FOLCLORE: NOSSA ALMA!

Olá, gente boa!

Conviver no universo da cultura sempre foi, para mim, mais que um trabalho — é um caminho de vida, prazeroso e profundamente saudável. Mesmo nos momentos mais críticos e desafiadores, sempre encontrei na cultura um alento, uma força, um motivo para seguir em frente.

Desde menino, tive o privilégio de caminhar ao lado de pensadores, intelectuais, grupos, mestres, brincantes e artistas que me deixaram ensinamentos, exemplos e, sobretudo, sementes que germinam e florescem até hoje no meu ser.

Duas dessas pessoas foram e são pilares na construção do que me tornei: meu tio José Calazans Brandão da Silva e o querido amigo Luiz Antônio Barreto. Calazans, com sua visão generosa e sábia, enxergou em mim, ainda garoto, alguém que poderia, sim, ser parte desse mundo. Me levava para encontros, congressos, reuniões da cultura popular e do folclore, me apresentando um universo que, até então, eu apenas vislumbrava de longe.

Foi assim que, muito jovem, conheci nomes que passaram a fazer parte da minha formação e do meu coração: Bráulio Nascimento, Roberto Benjamin, Theo Brandão, Aglaé Fontes, Beatriz Gois, Severino Lucena, Osvaldo Trigueiro, Cáscia Frade e, claro, Luiz Antônio Barreto, que, tenho certeza, recebeu de Calazans a missão de me dar asas.

Foi Luiz Antônio quem me apresentou a gigantes como Jackson da Silva Lima, Ariano Suassuna e o maior de todos, Câmara Cascudo — ora pessoalmente, ora através de suas ideias e pensamentos. Foi ele quem me ensinou a ouvir com mais atenção os mestres, seus ritmos, suas pisadas, suas palavras, e dizia sempre: “Tudo tem seu lugar, no ritmo, na melodia, na história. Ouça, deguste… e pense: como podemos eternizar isso?” Aprendi com ele a escutar não só os sons, mas a alma que habita cada toque, cada canto, cada gesto dos nossos brincantes.

E foi assim que consegui, ao longo da vida, registrar e eternizar, em CDs, memórias sonoras de grupos como: Reisado de Maribondo, Reisado de Lalinha, Taieira de Laranjeiras, Lambe Sujos e Caboclinhos, Caceteira do Rindu, Chegança, Samba de Coco da Pastoral, Langa, Reisado de Satu, além das cantadeiras de romance como Dona Maria José, dos poetas populares como João Sapateiro, dos terreiros de Marizete e Zé do Obacoussou, do Toré do povo Xocó e de tantos outros que me desafiaram, me emocionaram e me enriqueceram em cada gravação, em cada mixagem — sempre ouvindo, antes de tudo, a alma dos mestres.

Essa paixão pela cultura se renovou esta semana quando à convite muito especial de um amigo de caminhada: Ricardo do Carmo. Um guerreiro sensível, desses que choram como criança diante da beleza da nossa cultura. Ricardo, carioca do subúrbio da Leopoldina, é documentarista, mestre em Desenvolvimento Local, especialista em Folclore Brasileiro e Teoria do Teatro, além de diretor de filmes como “Penha, uma festa carioca”“A Noite dos Tempos” e da série “Mestres do Povo”.

Nos conhecemos aqui em Aracaju, quando ele me entrevistou sobre o Lambe Sujos e o Cacumbi, e desde então criamos uma amizade sincera e produtiva. Dessa amizade, surgiu o convite para participar do Festival Mestre do Povo, em Cabo Frio (RJ), representando Sergipe, para falar sobre a nossa experiência com a Lei dos Mestres da Cultura Viva, que implantamos em Laranjeiras e no estado.

Um festival que me trouxe muitas lembranças e emoções, especialmente pelos encontros que ali aconteceram. Conhecer Daliana Cascudo, neta do imortal Câmara Cascudo, foi como receber um abraço da própria história. Me emocionei ao conversar com Vagner Ribeiro, poeta, músico, ativista e folclorista do Piauí. E me encantei com figuras que são verdadeiros monumentos vivos do folclore brasileiro: Chiquinho da Sucata, o grande Já Silva, o mestre bonequeiro Clarêncio Rodrigues, o contador de histórias de pescador Renato Babão, e tantos outros. E, claro, não poderia deixar de citar a querida Maria Socorro Macedo, empresária apaixonada pela cultura e pelo turismo de São Raimundo Nonato (Piauí) — uma mulher de fibra que carrega no peito a paixão pela nossa tradição e o Lucas Müller diretor de Fotografia e um grande ativista e agente cultural.

Foi um momento de afirmação, de troca de saberes, de fortalecimento de ideias e, mais que isso, de reafirmação da política pública em que acredito. Sergipe, mais uma vez, mostrou ser protagonista de práticas que se tornam referência para outros estados. Tivemos, ainda, a brilhante participação do grupo Parafusos de Lagarto, que encantou a todos.

O Festival me trouxe uma enxurrada de lembranças. Me vi, de novo, com 14 anos, acompanhando meu tio Calazans no nascimento do Encontro Cultural de Laranjeiras. Revivi os momentos ao lado de Luiz Antônio, de Lindolfo e Antônio Amaral. Maurelina, Mariano, Walfran de Brito, dos mestres Zé Rolinha, Seu Deca, Sales, Maria da Conceição, Juarez, Efigênia, Nadir, Seu Idelfonso, Demar, Antônio Carlos, Cristiane,… e tantos outros. Recordei as gravações dos CDs, os projetos, as articulações, as lutas e os sonhos.

E foi lá, nesse reencontro com as minhas próprias memórias, que revi também um amigo de Luis Antônio e desses encontros da vida: Eliomar Mazocoum Conguês Capixaba, hoje vice-presidente da Comissão Nacional do Folclore, historiador, pesquisador incansável, especialista em políticas culturais e, acima de tudo, um folclorista de primeira linha.

Em uma de nossas conversas, Eliomar me disse algo que concordo e nunca mais vou esquecer: “Defender o folclore é, antes de tudo, defender nossa própria identidade. Vivemos numa sociedade que tenta nos empurrar uma cultura de massa, globalizada, que insiste em tratar nossas tradições, saberes e fazeres como peças de museu, como coisas do passado, exóticas ou ultrapassadas. E isso é um erro brutal. O folclore é vida, é a expressão mais legítima da nossa existência, da nossa resistência e da nossa história.”

Ele foi além: “A luta dos folcloristas, dos mestres, das comissões e das redes que se espalham por esse Brasil é urgente, necessária e profundamente política. Valorizar o folclore não é apenas reconhecer um patrimônio — é um ato de soberania, de amor ao Brasil, de respeito a quem, geração após geração, mantém acesa a chama da nossa identidade.” Precisamos renovar a Comissão!

E no meio desse papo, Eliomar me lançou uma que me deixou sem palavras: “Rapaz… Por que Luiz não me apresentou você antes? Ele me mostrou tudo o que você fez, tudo que vocês construíram juntos… Você é um grande folclorista!”

Confesso que fiquei surpreso, emocionado e, sobretudo, honrado. Nunca me considerei, formalmente, um pesquisador, muito menos um folclorista. Sempre me vi como um trabalhador da cultura, compositor e gestor. Mas ouvir isso de um cientista do folclore, alguém que dedica sua vida a estudar, preservar e defender nossas tradições, foi um presente que carrego no peito. Folclore é saber.

Ai lembrei dessa frase, que ouvir, escrevi, que deve ser de Cascudo ou inspirado nele: “Folclore não é passado, é presente. Folclore é resistência, é ciência, é a nossa soberania cultural. Quem cuida do folclore, cuida da alma do Brasil.”

E assim, sem pedir, sem planejar, sem esperar… Ganhei mais uma nomenclatura na vida, que ostentarei com muito orgulho e responsabilidade:

“Eu sou Folclorista, com muito orgulho, com muito amor.”

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