
O texto que se segue é um covite ao opaco da vida, uma figura observa, aceita e, aos poucos, deixa ir. Um conto-poema sobre o nosso direito de viver dias sem cor — e ainda assim, esperar pelas estrelas.
*Há dias assim*
Enquanto as noites continuarem estreladas, haverá sempre a esperança de um amanhecer com sorrisos enfeitiçados pela possibilidade da vida e por um suspiro de amor.
Talvez aquele não fosse um dia de esperança.
Fitava a cidade — apenas um emaranhado de concreto, pessoas ao acaso, pássaros indecisos, atrapalhados no ar.
Ainda sentado junto à janela, percebeu que o lírio na cabeceira exibia folhas secas, já mortas pelo tempo; talvez restasse apenas deixar ir o que já não estava…
Olhava a cidade e via apenas o bruto — e tudo bem que fosse só isso…
Não era de água que o lírio carecia; era a força bruta de uma mão — já menos aquecida desde que o cobertor caíra no chão — para arrancar as partes pálidas e descoloridas.
Aquele dia de uma cidade vazia e cheia de muros foi um dia de saudade, como se andasse perdido dentro de si…
Não se culpava, pois sabia que, de alguma forma, em alguma noite, ainda que única, as estrelas surgiriam; e talvez, num amanhecer ainda por nascer, sorrisos se deixassem encantar pela simples possibilidade da vida, embalados novamente por um suspiro de amor.
Fernando Chagas