
A calcinha estava mais para calçola. Branca e uns poucos babados suaves e coloridos lhe davam alguma graça. Com calma e também alguma preguiça colocou antes a perna esquerda, depois à direita, sempre com cuidado. Vestiu a calcinha, olhou, apalpou e sentiu que estava dobrada atrás. Ajeitou e achou que ficou bem. Levantou a cabeça, deu um pequeno sorriso, satisfeita com o que via, rompendo levemente a expressão sempre severa.
Olhou os pés e não os achou feios, embora percebesse que as unhas mereciam melhor trato: em algumas, no pé esquerdo, o esmalte estava um pouco descascado. A pressa fez com que apenas fizesse o retoque, procurando disfarçar as imperfeições que pudessem chamar a atenção. Não havia tempo, nem necessidade, de pintá-las com capricho.
Na mesa ao lado pegou o soutien, também branco, simples, e colocou-o com cuidado. Mais uma vez olhou e lhe pareceu, o corpo bem razoável para uma mulher de classe média, que ultrapassara os 45 anos. No cabideiro ao alcance da mão, o vestido tubinho bege, com leve tom de verde, parecia ideal para a ocasião, como também as sandálias de camurça. Vestiu a roupa com alguma dificuldade, arrumou atentamente a pequena gola e finalmente calçou as sandálias de saltos baixos. Conferiu o retoque que havia feito nas unhas e considerou que estava bom.
Percebeu que os cabelos estavam um pouco desalinhados, as raízes brancas a mostra, embora traços da tintura castanha ainda estivessem por ali. Com calma usou a escova, penteou para trás e com as mãos arrumou-os em definitivo. No rosto uma leve maquiagem, criando na face certo rubor, nada de excessos, a ocasião, por mais corriqueira, exigia concisão e respeito.
Um rápido olhar e o relógio de parede marcava 11:45 h. Pensou que não era por acaso que sentia fome, afinal, para não se atrasar, tinha bebido ainda bem cedo, apenas uma média de café com leite, na padaria da esquina de casa. Estava quase na hora do almoço com Jorge, que trabalhava em uma loja de tecidos a dois quarteirões dali.
Um último olhar e perfeccionista acreditou ter visto um pouco de poeira sobre o vestido. Atenta e zelosa passou a mão, soprou e enfim ficou tranquila com o estado da roupa, que tinha acabado de vestir. Mais uma vez teve a agradável sensação de estar de bem com a vida.
Pegou a bolsa, as chaves e se encaminhou para a porta da Funerária Santo Antônio, nome que sempre considerou estranho, levando-se em conta que o santo homenageado era o protetor dos casamentos. Essa estranheza foi deixada imediatamente pra trás, afinal, o velório estava marcado para as duas horas da tarde e o corpo tinha que ser levado no velho furgão para a capela número 3 do Cemitério Santa Izabel.
Tinha ainda algum tempo para almoçar e combinar com Jorge os detalhes do casamento, na Matriz de Nossa Senhora da Assumpção, sonho de todas as mulheres da cidade, com um pequeno empurrão do mesmo santo, que dava o nome a funerária e de todos os outros que quisessem ajudar,
Sua tarefa, que considerava sacrossanta obra de arte, estava cumprida. O corpo da defunta estava pronto, vestido e maquiado a espera do pranto dos parentes, amigos e curiosos.
Manoel Lopes da Guia Neto.