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Crônica / Conto

FESTA AMERICANA

Paulo Cotias (*)

Na matéria, apurou-se que na madrugada de sábado para domingo a polícia pôs fim a uma festa que acontecia em uma casa, num bucólico bairro da cidade. A denúncia que motivou a ida da viatura dizia a respeito, a princípio, ao som em uma altura que já ultrapassara até mesmo o limite do inconveniente, tanto pelo volume quanto, digamos, o asseio do vernáculo utilizado nas composições que tocavam.

A reportagem prosseguiu com detalhes. Quando os guardas lá chegaram, os jovens já haviam transbordado para a rua e com eles, uma invariável combinação de bebidas com o teor alcóolico inversamente proporcional à qualidade, como reza o bom e velho cálculo matemático aplicado à química. E aqui, e ali, um cardápio de entorpecentes cujas embalagens enfeitavam as calçadas, descartado com a mesma naturalidade de quem joga um papel de chiclete no chão (o que por si só também é uma baita falta de educação). O resultado? Como a quase totalidade dos convivas era de jovens menores de idade e de famílias cujo sobrenome denotava um certo pedigree, nada de mais elaborado aconteceu exceto para uns e outros que cuidavam de toda a logística.

Após esse relato, o jantar fora interrompido pelos filhos, que retrucaram a mãe com uma veemência digna de um estadista discursando na Assembleia Geral das Nações Unidas, terminando a verborragia com uma frase de efeito (frase de efeito é coisa de velho, atualizem por favor para “lacre” – caso não tenha mudado novamente até o final da escrita dessa crônica): você não sabe se divertir!

Foi aí que a mãe resolveu revelar um segredo da antiguidade parental clássica, uma forma de socialização geracional denominada pela antropologia de “festa americana”. Arranjado o local, que poderia ser uma sala de apartamento, o quintal de uma casa ou mesmo um playground e a lista de convidados, bastava fazer a divisão de quem traria os refrigerantes, um prato de doce, um de salgado, ou de ambos. Geralmente, cabia ao anfitrião ou anfitriã elaborar a lista das músicas que seriam tocadas a partir do gosto geral. Isso poderia levar um certo tempo, caso as músicas tivessem que ser gravas em fitas cassetes a partir dos discos que cada um ia emprestando, ou mesmo com uma paciente caçada por elas nas estações de rádio.

A organização variava mesmo da simplicidade à elaboração. Trocava-se as luzes do lustre por lâmpadas coloridas (ou uma bela embalada no papel celofane), instalava-se um globo ou, naquelas mais chiques, fumaça de gelo seco e outras traquitanas piscantes (as vezes tudo isso já vinha também no pacote dos DJs). O que não variava nas festas era a sua liturgia musical. Havia músicas para curtir e que eram adequadas não tanto para dançar, mas para dar uma circulada, bater um papo, comer ou beber algo. Mas, de repente, ecoava um hit que levava todos correndo para o espaço da dança num frenesi coletivo de passos combinados ou cada um sacudindo-se do seu jeito.

Também não podiam faltar as músicas lentas nessa sequência. Ali, formavam-se uns casais de ocasião ou romances para toda uma vida. Ou não se formava nada, apenas uma dança entre colegas com uma boa música. E quem não dançava, virava torcedor de arquibancada, acompanhando e vibrando com um lance inusitado, como um beijinho que despontava aqui e ali. Havia até os que só se guardavam para esses momentos, apresentando-se impecáveis, sem uma gota de suor e o perfume estrategicamente caprichado. Os filhos riram folgadamente, perguntando realmente se isso era o que a mãe chamava de diversão. E o jantar chegou ao fim.

(*) Paulo Cotias é psicanalista e escritor. Para mais conteúdos acesse www.psicotias.com e acompanhe as redes sociais do Canal Psicotias (YouTube, Facebook, Instagram e X).

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