Jamil Chade (*)
A canção de Caetano Veloso, composta ainda nos anos 90, parece ecoar quando se escuta ainda hoje o “sorriso sorridente de São Paulo diante da chacina”.
No intervalo de poucos dias, o Brasil foi abalado por dois terremotos. O primeiro deles foi a revelação de como generais, bolsonaristas e membros do governo tramaram a chacina da democracia. Um golpe de estado que ocorreria em plena luz do dia. Havia plano, recursos (nossos) e objetivos claros.
“É um enorme equívoco considerar que, como ele jamais ocorreu, não há motivo para que o ato seja considerado como uma ameaça. Não se trata de um golpe que não aconteceu. Trata-se de um golpe que fracassou…”
Nem mesmo com as mais de 800 páginas de provas, conversas e documentos vimos uma mobilização democrática nas ruas.
Por onde passou a “marcha pela democracia”? Onde esteve a declaração conjunta de todos os partidos em apoio incondicional ao estado de direito e à Constituição?
Pior, porém, foi escutar o silêncio ensurdecedor de uma ala política que se recusa a colocar seus interesses particulares de lado para defender a democracia. Até onde estão dispostos a ir pelo poder?
Um silêncio irresponsável e covarde. Quando um crime é respondido com a incapacidade de tomar uma posição, esse silêncio é uma mentira.
O silêncio também é crime diante das cenas de forças de ordem que optaram deliberadamente por jogar, do alto de uma ponte, um ser humano.
Nem sempre o silêncio significa a ausência de palavras. Ele também vem emoldurado por alegações de que se trata de um caso isolado. Isolado como foram as dezenas de outras mortes documentadas e amplamente denunciadas?…
Que gesto isolado seria esse num país que, depois de séculos de escravidão e décadas de um apartheid institucionalizado, ainda acredita que o racismo é só o que os outros fazem?
Quando nem um golpe fracassado ou um corpo atirado por uma ponte desfaz a sedação, o que fica escancarado não é o silêncio. Mas a cumplicidade…
(*) Jornalista e Colunista da UOL.