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ADÉLIA PRADO 90 ANOS

MOÇA NA SUA CAMA

Papai tosse, dando aviso de si,
vem examinar as tramelas, uma a uma.
A cumeeira da casa é de peroba-do-campo,
posso dormir sossegada. Mamãe vem me cobrir,
tomo a bênção e fujo atrás dos homens,
me contendo por usura, fazendo render o bom.
Se me tocar, desencadeio as chusmas,
os peixezinhos cardumes.
Os topázios me ardem onde mamãe sabe,
por isso ela me diz com ciúmes:
dorme logo, que é tarde.
Sim, mamãe, já vou:
passear na praça sem ninguém me ralhar.
Adeus, que me cuido, vou campear nos becos,
moa de moços no bar, violão e olhos
difíceis de sair de mim.
Quando esta nossa cidade ressonar em neblina,
os moços marianos vão me esperar na matriz.
O céu é aqui, mamãe.
Que bom não ser livro inspirado
o catecismo da doutrina cristã,
posso adiar meus escrúpulos
e cavalgar no torpor
dos monsenhores podados.
Posso sofrer amanhã
a linda nódoa de vinho
das flores murchas no chão.
As fábricas têm os seus pátios,
os muros têm seu atrás.
No quartel são gentis comigo.
Não quero chá, minha mãe,
quero a mão do frei Crisóstomo
me ungindo com óleo santo.
Da vida quero a paixão.
E quero escravos, sou lassa.
Com amor de zanga e momo
quero minha cama de catre,
o santo anjo do Senhor,
meu zeloso guardador.
Mas descansa, que ele é eunuco, mamãe.

CHORO NA CAPELA

O poder que eu quisera é dominar meu medo.
Por este grande dom troco meu verso, meu dedo,
meus anéis e colar.
Só meu colo não ponho no machado,
porque a vida não é minha.
Com um braço só, uma só perna,
ou sem os dois de cada um, vivo e canto.
Mas com todos e medo, choro tanto
que temo dar escândalo a meus irmãos.
Mas venho e vou,
os ‘lobos tristes’ a seu modo louvam.
Nasci vacum, berro meu
era só por montar, parir, a boa fome,
os júbilos ferozes.
As vacas velhas têm os olhos tristes?
Tristeza é o nome do castigo de Deus
e virar santo é reter a alegria.
Isto eu quero.

Quem é Adélia Prado

Adélia Prado nasceu em Divinópolis em 13 de dezembro de 1935 e ganhou projeção nacional na década de 1970 após ser reconhecida por Carlos Drummond de Andrade.

Desde então, construiu uma obra marcada pela sensibilidade do cotidiano e pela reflexão espiritual, reunindo títulos como BagagemO Coração Disparado e Manuscritos de Felipa.

Ao longo de quase seis décadas de produção, acumulou premiações como o Prêmio Jabuti, o Prêmio Guimarães Rosa, o Prêmio Camões e o Prêmio Machado de Assis. Em 2017, tornou-se a primeira mulher a receber o Prêmio Conjunto da Obra do Governo de Minas.

Neste ano de celebração, Adélia também foi homenageada com o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), em Divinópolis. Além disso, recebeu uma bênção apostólica do Papa Leão XIV, enviada à Diocese de Divinópolis a pedido da instituição religiosa.

G1 – Centro Oeste de Minas Gerais.

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