UMA AVENTURA COM FÉ

Hoje é dia 12 de maio de 2025. Ontem acordei pensando na minha mãe, Heloísa Nogueira dos Santos. Que não poderia mais estar com ela; fiquei lembrando de imagens, momentos, ou seja: sentindo muito sua falta ou percebendo a sua presença, não sei. Decidi pegar meu carro e ir depositar flores no seu túmulo no cemitério em Cabo Frio, rezar um pouco e voltar para o Rio de Janeiro. Pensei em tocar a música que fiz para ela, num banquinho que sabia existir por lá. Enfiei a viola no porta mala do carro, peguei uma, duas mudas de roupa, um casaco de moletom com capuz, que veio a me salvar, uma camisa de manga comprida, por que a noite pode esfriar. Eu já sou friorento e a idade não ajuda em nada neste quesito. Claro, não esqueci de levar a sunga, embora as previsões fossem de chuva.
Cabo Frio amanheceu debaixo de chuva. A praia, bem cedo, que de certa forma estava na minha programação, antes de me dirigir ao cemitério, já não ia mais rolar. É bom poder me hospedar em diversos espaços da cidade em Cabo Frio, além do café da manhã prontinho, também faz com que eu conheça melhor a cidade. Dessa maneira vivenciei o Bairro da Passagem, o Portinho, Orla Scliar, Algodoal, etc com mais atenção.
Chovia firme, com volume e eu pensava: aonde vou encontrar flores em Cabo Frio? Me lembrei de uma banca de flores no final da rua do antigo Hotel Colonial. Na Rua do Vento. Era só passar por ali e o vento entrava firme em nossos corpos. A lembrança da florista não era tão clara assim, mas era a única opção que eu tinha para comprar flores para minha mãe.
Coloquei o carro em direção ao convento e vi a banca cheia de flores no mesmo lugar da minha vaga lembrança. Que sorte! Rodeei e parei em frente à banca. Chovia forte, cântaros como dizem. A vendedora certamente não devia estar muito feliz com aquele mau tempo. Parei o carro e comprei um vaso de margaridas pequenas, brancas com miolo bem amarelinho, com alguns botões ainda por florescer. Paguei, peguei, entrei no carro e fui agora em direção ao cemitério. Passei por de baixo da ponte Feliciano Sodré, quando eram aproximadamente 9h30 da manhã. Poucos carros na rua, o céu pesado, cinzento e eu como uma vaga lembrança de onde seria o local ela estava descansando.
Entrei no cemitério, pequeno, bucólico, antigo e tradicional da cidade. Fui na recepção e havia três funcionários sentados numa sala vazia, pouca luz e silenciosa. Entrei perguntando com o tom de voz sincera, se eles me ajudariam a encontrar o túmulo da minha mãe, já que eu não tinha uma certeza onde ela estava repousando. Apenas uma vaga lembrança. Quase um sonho.
Os funcionários escutaram e entenderam perfeitamente a minha intenção, com respeito e com a atenção merecida. O mesário, com um grande livro azul, com marcas de uso, à sua frente, me perguntou se eu sabia o número, pois isso facilitaria sua localização. Eu não sabia. Eu lembrava apenas que a direção e que era encostado no caminho principal. Ele então perguntou o nome inteiro da minha mãe, a data de falecimento, para tentar encontrar no livro azul. Com animação e expectativa eu disse: 3 de março de 2018. Quase que imediatamente, ainda segurando a página aberta do livro que ele começara a virar, respondeu informando e lamentando, que no caderno azul só tinham as datas e as referências de 2019 para frente.
Respondi também com certo lamento, que não tinha problema. Perguntei se poderia procurar um e pouco, seguir a pista da minha lembrança. Eles disseram que sim, não teria problema nenhum e que eu ficasse à vontade. Um deles ponderou: espere a chuva passar um pouco. Me virei e olhei pela porta aberta da recepção, e percebi pelo som que a chuva fazia que esta não passaria tão cedo. Ainda tenho em mim essa relação, essa percepção com a natureza. Coloquei meu capuz e fui seguir rastros da minha lembrança. Fui andando, o local não é tão grande assim, o que facilitava. Andei mais um pouco pelo caminho principal, me lembrava que a construção era escura e ficava na beira do caminho. Andei mais um pouco e vi escrito numa lápide antiga, corroída pelo tempo, num jazigo simples, porém robusto, de mármore preto o nome: “Jazigo João dos Santos”. João dos Santos é o nome do meu avô, pai do meu pai. Passei o olhar e encontrei o nome do meu pai cunhado numa placa de metal fixada no mármore: Evandro Cristóvão dos Santos (2/07/1921 – 13/01/2004) pensei com alívio. Pronto. Encontrei! Minha mãe certamente está com ele!
A chuva caía, eu estava de capuz, mas meu casaco era de algodão, estava encharcando, por isso precisava acelerar meu culto, sem perder a atenção e fé que o momento me exigia. Prendi o vazo com as lindas margaridas encostado na cabeceira do túmulo, onde a placa com o nome do meu pai estava fixada.
Visualizei nesse momento, como visualizo agora escrevendo, a expressão de alegria da minha mãe quando recebia flores. Flores, plantas, ervas, raízes sempre foram queridos pela Dona Helô. De chuva não gostava, e certamente deveria estar preocupada comigo por estar pegando aquela chuva. Organizei as flores e ia começar uma oração quando um dos rapazes que estavam na recepção veio até a mim, vestindo uma capa grossa amarela de chuva, bota preta, e perguntou se estava tudo bem, se eu havia achado o local.
Que gentileza, que cuidado com as lembranças e afetos dos que chegam ali como eu cheguei para orar, lembrar e chorar. Ele se retirou silenciosamente da mesma maneira que chegou. Comecei a rezar como sempre faço, respiro, fecho os olhos, deixo que as lembranças venham. Rezei, chorei, senti e ouvi um bem-te-vi cantar na árvore (Pata de Vaca) quase que em cima de mim. Soou poeticamente como sendo um comunicado, um assovio para mim. Um chamado, um aviso para que tudo fique bem. Bem te vi filho!!
Escrevo esse relato, já na minha casa, no bairro de Humaitá no Rio de Janeiro, enquanto dois bem-te-vis cantam entre si nesse entardecer chuvoso. Para aqueles que conhecem e ouvem agora esse diálogo sonoro amoroso, podem imaginar melhor a beleza do cenário que descrevi.
José Henrique Nogueira
Primo de Totonho
Uma resposta em “MARGARIDAS PARA MINHA MÃE”
Muita sorte poder viver esse momento porque a minha mãe foi visitar o túmulo do meu pai e via sido retirado os gestos mortais sem ela saber. Uma tristeza para ela!