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O TOSCO PADRÃO QUE SE REPETE

O triste caso do gari assassinado, em Belo Horizonte, na última segunda-feira, possui alguns aspectos que merecem reflexão.
A vítima, um trabalhador de empresa terceirizada de limpeza pública, pai de família que, segundo depoimentos de familiares, colegas e do dono da empresa para a qual trabalhava, era um ótimo funcionário e gostava muito do que fazia. Um trabalhador que corria, em média, 10 quilômetros por dia em razão da coleta de lixo. Ele era quem era, na família e no trabalho. Seus músculos e sua força física eram trabalhados naturalmente pela pesada atividade física que seu trabalho lhe proporcionava.
Já o algoz, um homem rico, morador em condomínio de luxo da região, “bombado” de forma bem artificial e exagerada, certamente devido a procedimentos ou por ingestão de substâncias anabolizantes, que procurava manter, em suas redes sociais, uma imagem de empresário eficiente e líder exemplar, além de dizer-se “cristão, marido, pai e patriota”. Logo após a notícia publicada, suas redes foram extintas, porém sua autodefinição ali contida já havia sido divulgada. Esse homem, casado com uma policial civil que, por ironia do destino, atua na área de proteção à mulher vítima de violência, primeiramente ameaçou uma outra mulher, a motorista do caminhão da coleta de lixo. Depois atirou no gari e foi embora, indo malhar em uma academia de bairro nobre da cidade. Ao ser preso, não foi algemado, foi colocado no banco de trás da viatura e foi tratado como suspeito (bem diferente da maneira como é preso um homem negro e pobre, isso é fato, basta observar as ações dia a dia).
Espantável a frieza desse homem! Total desdém com a vida do outro, especialmente se esse outro não pertence à sua alta classe social. Artificialidade. Criação de imagem pessoal que esconde conteúdo podre. Predileção pelo uso de armas, como alguém que sai de casa pela manhã louco para arrumar uma confusão e exibir a força de sua covardia. Sai de casa armado para mostrar força perante uma mulher e um homem, ambos pobres e trabalhadores.
Basta um breve estudo sociológico para comprovar que, infelizmente, comportamentos que envolvem agressão, violência (principalmente com os mais frágeis, seja fisicamente ou socialmente), arrogância, culto exagerado do corpo e da força física, uso de rótulos como “cristão”, “Deus”, “família” e “patriota” costumam sempre estar presentes em pessoas que cometem atos de extrema violência e por motivo torpe. Com certeza já devem existir estudos psicológicos ou sociológicos sobre isso. Novamente, basta observar as estatísticas.
O que acontece é que, nos últimos anos e até a atualidade, cresceu muito o quantitativo de pessoas adeptas a esse comportamento agressivo por trás de uma polida imagem. Isso tem resultado no aumento de feminicídios, de racismo, de crimes de trânsito, entre outros. Percebemos que a ascensão de líderes políticos que cultivam o estilo reacionário, com discursos diários plenos de agressividade e violência, acaba estimulando que venha à tona o pior de cada ser, ou seja, líderes agressivos e violentos, armamentistas e arrogantes, acabam disseminando essa maneira de ser e fazendo com que aqueles que já têm dentro de si a semente da violência sintam-se à vontade para deixá-la livre. Tivemos, recentemente, um presidente que muito incentivou esse comportamento, tanto no meio político como na sociedade em geral, e isso fez com que aqueles que possuíam afinidade com a força como meio de impor seus desejos e suas ideias sentissem um certo empoderamento para agir violentamente, passando a agredir quando contrariados no trânsito, no trabalho, na vida social e também na família. Isso acontece também quando um líder político dá carta branca para a polícia agir como bem entender, como fez, há poucos dias, o presidente norte-americano. Esse comportamento é parte da estratégia de poder da extrema direita transnacional, pois ajuda na formação do caos social que esses extremistas tanto buscam para justificar seus regimes ditatoriais.
Não é mera coincidência a repetição de padrões em relação ao estilo de autores de crimes violentos. Por trás da capa de “Deus, cristão, pátria e família”, tivemos deputada federal de arma em punho correndo pelas ruas; temos deputado federal expulso da polícia civil por haver endossado cultura de estupro e de racismo; temos cristãos agredindo e matando suas companheiras e matando pessoas simplesmente por pensarem diferente, como aconteceu com o bolsonarista que matou o petista durante festa de aniversário, no Paraná. E ainda, quantos “patriotas” atuando para prejudicar os interesses de seu país ao defender tarifaços e atacar instituições que defendem nossa democracia; quantos “conservadores” que conservam o que há de pior na sociedade ao cultivar um falso moralismo que perde sua máscara na primeira curva da esquina.
Os que precisam de rótulos para se firmarem sob o falso pilar da hipocrisia escondem atitudes e ações perversas, preconceituosas e raivosas, e seus posicionamentos possuem como motivação os seus próprios interesses, e não os interesses coletivos da sociedade. Pensam somente em si e no grupo que defendem, e não titubeiam em passar por cima e eliminar de seus caminhos quem quer que os esteja incomodando, não importa o nível de incômodo. Geralmente são atraídos para atividades ilícitas ou irregulares, pois optam sempre pelos atalhos. Infelizmente, é um padrão que se repete com frequência em uma sociedade em que seus membros caminham invigilantes, desatentos e com baixa visão crítica social.

Luciana G. Rugani
Pensadora, escritora e poeta

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