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Crônica / Conto

ADOLESCÊNCIA

O apelido dele era “cascão” e vinha da infância. Uma irmã mais velha descobrira uma mancha escura que subia pela sua perna e que a mãe, apreensiva, a princípio atribuiu que era sujeira mesmo.

– Você não toma banho, menino?

– Tomo, mãe.

– E não se esfrega?

Aquilo já era pedir demais. E a verdade é que muitas vezes seus banhos eram representações. Ele fechava a porta do banheiro, ligava o chuveiro, forte, para que a mãe ouvisse o barulho, mas não entrava no chuveiro. Achava que dois banhos por semana era o máximo de que uma pessoa sensata precisava. Mais do que isso era mania.

O apelido pegou e, mesmo na sua adolescência, eram freqüentes as alusões familiares à sua falta de banho. Ele as agüentava estoicamente. Caluniadores não mereciam resposta. Mas um dia reagiu.

– Sujo, não.

– Ah, é? – disse a irmã. – E isto o que é?

Com o dedo ela levantara do seu braço um filete de sujeira.

– Rosquinha não vale.

– Como não vale?

– Rosquinha, qualquer um.

Entusiasmado com a própria tese, continuou:

– Desafio qualquer um nesta casa a fazer o teste da rosquinha! A irmã, que tomava dois banhos por dia, o que ele classificava de exibicionismo, aceitou o desafio.

Ele advertiu que passar o dedo, só, não bastava. Tinha que passar com decisão. E, realmente, o dedo levantou, da dobra do braço da irmã, uma rosquinha, embora ínfima, de sujeira.

– Viu só – disse ele, triunfante. – E digo mais: ninguém no mundo está livre de uma rosquinha.

– Ah, essa não. No mundo? Manteve a tese.

– Ninguém.

– A rainha Juliana?

– Rosquinha. No pé. Batata.

No dia seguinte, no entanto, a irmã estava preparada para derrubar a sua defesa.

– Cascão… – disse simplesmente. – A Catherine Deneuve. Ele hesitou. Pensou muito. Depois concedeu. A Catherine Deneuve, realmente, não.

A irmã, sadicamente, ainda fingiu que queria ajudar.

– Quem sabe atrás da orelha?

– Não, não – disse o Cascão tristemente, renunciando à sua tese. – A Catherine Deneuve, nem atrás da orelha.

*

Já o Jander tinha quatorze anos, a cara cheia de espinhas e como se não bastasse isso, inventou de estudar violino.

– Violino?! – horrorizou-se a família.

– É.

– Mas Jander…

– Olha que eu tenho um ataque.

Sempre que era contrariado, o Jander se atirava no chão e começava a espernear. Compraram um violino para ele.

O Jander dedicou-se ao violino obsessivamente. Ensaiava dia e noite. Trancava-se no quarto para ensaiar. Mas o som do violino atravessava portas e paredes. O som do violino se espalhava pela vizinhança.

Um dia a porta do quarto do Jander se abriu e entrou uma moça com um copo de leite.

– Quié? – disse o Jander, antipático como sempre.

– Sua mãe disse que é para você tomar este leite. Você quase não jantou.

– Quem é você?

– A nova empregada.

Seu nome era Vandirene. Na quadra de ensaios da escola era conhecida como “Vandeca Furacão”.

Ela botou o copo de leite sobre a mesa-de-cabeceira, mas não saiu do quarto. Disse:

– Bonito, seu violino. E depois:

– Me mostra como se segura?

Depois a vizinhança suspirou aliviada. Não se ouviu mais o som do violino aquela noite.

O pai de Jander reuniu-se com os vizinhos.

– Parece que deu certo.

– É.

– Não vão esquecer o nosso trato.

– Pode deixar.

No fim do mês todos se cotizariam para pagar o salário da Vandirene. A mãe do Jander não ficou muito contente. Pobre do menino. Tão moço. Mas era a Vandirene ou o violino.

– E outra coisa – argumentou o pai do Jander. – Vai curar as espinhas.

Luís Fernando Veríssimo

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