
Faz quarenta anos que fui fotografar no Pará um documentário sobre uma grande figura, tão grande no tamanho quanto no talento. Ele se chamava Naval e estava voltando depois de muitos anos a sua cidade natal. Antes de se mudar para o Rio de Janeiro, ele, que era um homem alto, forte e decidido, tinha sido estivador e marinheiro, trazia em suas mãos calejadas o domínio e a delicadeza do voo agitado de uma borboleta quando pintava uma tela. Durante os intervalos das filmagens caminhávamos juntos no Mercado Ver o Peso de Belém entre centenas de barraquinhas de seus compatriotas onde de tudo se vendia um pouco. Lembro-me que em cada barraca que parávamos, ele tentava me ensinar os valores curativos e afrodisíacos das ervas, com desenvoltura e conhecimento. Podia-se observar, por aonde íamos passando, uma explosão de cores nas bancadas repletas de coisas que eu nunca havia visto.

Que belo filme eu deixei de fazer. Eram garrafadas, pedaços de peixes, sapos, cobras, tartarugas, olhos de botos, etc. Mas o que ele gostava mesmo de falar era das ervas que ele conhecia. Dissertava com prazer sobre os efeitos do alecrim, angélica, angico, arruda, cabacinho, catingueira, catuaba, cumaru, fedegoso, jucá, jurema, jurubeba, macela, malva, manacá, mastruz, mucuná, mulungu, sabugueiro, entre outras ali encontradas. Quando fomos tomar uma cerpinha gelada no boteco do próprio mercado ele me confessou que só estava vivo porque quando criança, muito doente, sem conseguir urinar, com muita dor, foi salvo por um chá de grilo. Chá de grilo! Exclamei com cara de nojo e ele respondeu: – Não há diurético que se possa medir com o chá de grilo…

Esse era o Naval! Fiz um filme nos finais de semana sobre outro assunto matutado durante este mês que passei em um hotel na Praça da Paz de frente as suas centenárias mangueiras e o seu belo teatro. Fiz ali na companhia desta figura paradoxal, o gigante Naval, o filme de curta metragem que ele procurava seguir desenhando com traços rápidos de caneta pilot as cenas que eu ia filmando. Acompanharam também as filmagens e fizeram a trilha musical do filme dois jovens jornalistas de Belém. Foi um deles, o Nelson Pantoja, que me trouxe a ideia do filme Natureza Torta, um registro, um documento, sobre os posseiros de terras no sul do Pará, muito antes do movimento dos sem terra. O tempo passou, nunca mais vi o Naval, nem o Nelson e só tempos depois é que tomei conhecimento do que era esse tal chá de grilo que havia salvado Naval, foi no livro Meleagro do Luís da Câmara Cascudo, vale à pena conhecer a receita dada pelo Cascudo: “… O grilo é poderosíssimo. Não há quem resista ao chá de um grilo inteiro. Tomam a terça parte dele, mesmo um adulto… Pega-se o grilo e cozinha-se a terça parte. Bebe-se esse caldo com açúcar, mas a força é o paciente ignorar de que espécie é o remédio tomado”.
José Sette de Barros