
Já fazia um tempo e ele estava às voltas com um pensamento recorrente: Desejava ser pai. Muitas coisas passavam por sua cabeça como o amadurecimento necessário, a perpetuação de um legado, a experiência da dedicação ao outro. Consumido por noites praticamente insones em seu quarto de solteiro no qual vivia na casa da mãe, concluiu que, no alto dos seus quarenta e dois anos, a hora chegara.
Mas não pensem vocês que foi uma decisão fácil. Nunca é. Ele imaginava como iria contar à sua mãe que ela passaria ao status de avó. Temia talvez por algum ciúme, incompreensão, ou quem sabe um leve sentimento de culpa que o assombrava pois, certamente, a velha acabaria tendo também que ajudar nos cuidados do nascituro.
Fatigado em suas angústias, concluiu que o conceito de pai solo não lhe convinha. Até porque tinha escrúpulos religiosos, certos purismos que o levavam a uma militância enfática (quase sempre um tanto agressivas, é verdade) nas redes sociais. Não poderia se contradizer. Por isso, decidiu tomar coragem e iniciar a corte daquela que seria a mãe do seu filho.
Sempre fora um rapaz tímido. Não era para menos. Todo o adolescente quando passa dos quarenta fica assim um pouco. Normal até. Mas ele era um caso diferente. Sua timidez era, na verdade, uma espessa crosta de autoproteção contra as decaídas mulheres da sociedade contemporânea. Elas não se interessavam por ele e muito menos ele por elas. Mas, justiça seja feita, nunca se esquivou de ataca-las! Delirava só de pensar que, um dia, os gloriosos tempos de algum outrora qualquer pudessem retornar, trazendo uma nova safra de fêmeas dóceis, sensualmente disponíveis e moralmente conformadas em sua posição inferior de objetos de satisfação e provedora unilateral de cuidados.
Mas o seu tipo de mulher perfeita, para sua infelicidade, só existia em seus animes ou nas histórias dos jogos sobre uma medievalidade inventada, que dividia com seus colegas, igualmente diferenciados, semanalmente. Nem sua mãe chegava próximo a esse patamar exemplar. Porém, pelo menos para os cuidados ela funcionava relativamente bem.
Ela, obviamente, sabia que mães não são candidatas a esposas desde que Freud escreveu Totem e Tabu e acabou com a bagunça da tribo humana (livro que aliás ele nunca leu, mas cujo conteúdo sorveu de um influencer do TikTok). Por isso, sem mais rodeios, resolveu investir na única mulher que poderia ser a mãe dos seus filhos e oferecer a ele, a singularidade que tanto ansiava. E ela estava lá, naquela grande loja de departamentos no shopping da sua cidade.
Tudo começou com um leve flerte, bem ao seu gosto. Ele passou e lá estava ela, elegante, com olhos de esfinge, sorriso de Monalisa, um ar tímido, assim como o dele. Nunca teve coragem de entrar na loja e falar com ela. Não sabia o tom da sua voz. Mesmo assim, todos os dias que ele ia (e ele ia tomar seu lanche da tarde quase diariamente por lá) a encontrava, cada dia mais bela, com uma roupa diferente. Não notou aliança nos dedos. Esperança. Sentia que ela estava lá, indefesa e dócil, convidando sem convidar, tudo o que se encaixava na perfeição do seu mundo. Era ela. Tinha que ser ela a mãe do meu filho.
Porém, quase tudo foi posto a perder por conta do ciúme, essa doença maldita do sentimento humano! Praticando o seu footing (caminhada para os mais ignorantes, ok?) vespertino (no período da tarde, caso a ignorância permaneça!) viu uma cena que o encheu de dúvidas e fúria. Parecia mais jovem do que ele, mas como percebeu pelo crachá e uniforme que o seu rival trabalhava, chegou rapidamente à conclusão de que se tratava de um homem. Logo agora? Logo quando decidira que também cruzaria essa etapa e cumpriria de uma só vez todos os ritos de passagem da adolescência para a vida adulta? Não… Não era possível. O ordinário lhe ajeitava as madeixas, alinhava a jaqueta nos seus ombros delicados e, por Deus, a tocou em sua cintura! Maldito seja!
Inclinou-se a ir defender a sua honra e a de sua amada. Mas, como viu que ela declinara aos encantos do rival, recuou. Não. A violência não era o caminho. Desesperou-se e cedeu ao impulso de um último desesperado recurso, que provaria suas novas credenciais de homem sério. Entendeu, finalmente, que a solução estava justamente na manipulação nas dimensões quânticas do multiverso (seja lá o que isso significasse, à luz da boa ciência), algo que lera naquele dia em seu quadrinho preferido. Era a hora de subverter a ordem temporal e dimensional do seu plano original.
Voltou para a casa, trancou-se em seu quarto. Sons de pancada seca e, por fim, jazia Bartolomeu, o porquinho de economias, com suas vísceras monetárias expostas no carpete. Correu antes que a mãe pudesse entender a situação. Nada poderia domá-lo. Era agora ou nunca.
Foi quando se prostrou-se finalmente diante da amada. No seu colo, um bebê. E num turbilhão de emoções começou a falar, cada vez mais alto e enfático, algo sobre aquele ser pequenino ser filho deles. Imprecações, chamamentos à sua responsabilidade de mãe, juras de amor, ameaças e maldições. Tudo isso bem junto e misturado. Não demorou já havia uma pequena multidão ao redor. A amada do nosso novo homem, porém, permanecia impassível. Como pode?
Seguranças começaram a se amontoar e, tão logo, a polícia já estava presente iniciando as tratativas para por fim àquela balbúrdia, sobretudo pelo fato de ter uma criança de colo no meio daquele tumulto.
Mas, para o bem geral da nação, a situação foi encerrada. Durante muito ela foi assunto nas redes sociais, nos botequins e em todo o canto. Nunca se viu tamanha demonstração de amor e galhardia (e com plena lucidez comprovada posteriormente pelos exames detalhados sobre as suas faculdades mentais) daquele adolescente de quarenta e dois anos, que lutou pelo seu direito ao amadurecimento como um pai de bebê reborn, junto ao belíssimo e curvilíneo manequim de número 36, localizado na vitrine da seção feminina, daquela famosa rede varejista no shopping da cidade.
Bom, essa é a verdade dos fatos. O resto é mito.
Paulo Cotias é psicanalista, professor, historiador e escritor. Siga nas redes (YouTube, Facebook, Instragram e X) o @opaulocotias e visite o site psicotias.com para mais conteúdos e informações!
