
Quando começou a assinar as coisas que escrevia em jornal o editor chefe implicou com o tamanho do nome e sobrenome. Demais! Sobrando! Não ficava bem. Perdia o impacto. Tomava espaço e outras tantas chateações, que enumerava sempre que o colunista dava a cara em alguma página, especialmente a página 2, aos sábados. Foi tanta aporrinhação que não teve jeito, e o sobrenome do pai foi cortado e esquecido, como se fosse o cóccix, osso remanescente de outra coluna, a dos primatas, nossos aparentados tão esquecidos.
Passou então a usar “pra baixo e pra cima”, em tudo que fazia apenas o nome de família tão comprida, conhecida e reconhecida. O Guia ficou lá adormecido, escondidinho, mas vez por outra doía, aquela dorzinha chata, pequena, persistente e incômoda, que vai roendo, mas incapaz de provocar um rompimento ou explosão. Quase um panarício! Era assim que sentia sempre que assinava algum artigo e quando convidado para falar, uma bobagem aqui, outra acolá, em alguma emissora de rádio.
Um dia, nesses períodos doídos, que se enfrenta ao longo da vida. Dias em que o abraço é maior que qualquer coisa, foi almoçar na casa de um grande amigo do pai. Desses da vida inteira, que continuou amando, protegendo e abraçando a família após a morte do amigo querido.
Nunca levantava a voz generosa. Dava o seu melhor olhar para o outro e tinha imenso orgulho e prazer de estar entre os amigos. Morreu devagar, junto com os que foram desaparecendo. Não viu razões para continuar por aqui, sem uma boa conversa.
Terminado o almoço, um “camarão a casca e nó” de lamber os beiços, foram pra varanda, aguardando o cafezinho, que Dona Landa estava passando na cozinha. Mal sentou, ele perguntou, de supetão, contrariando seu modo de iniciar qualquer assunto devagarzinho, com todo o jeito.
– Por que você tirou o sobrenome Guia das coisas que escreve? Por acaso quer esconder seu pai? Tem vergonha dele?
Em vão tentou explicar os problemas no jornal, as chatices do editor chefe, da diagramação, inventou reclamação dos leitores e assim por diante. Verdadeiro rosário de desculpas esfarrapadas, que não convenceram o velho amigo, que sempre se pautou pela doçura, mas que naquela tarde tinha pimenta na voz.
– Não leve a mal, nunca mais vou ler. É como se fosse você pela metade. Tirou o sobrenome do seu pai, do meu amigo, enquanto as lágrimas enchiam os olhos e desciam pelo rosto moreno e vincado.
Sentiu vergonha. Muita vergonha! Aquela dor do dia a dia ganhou corpo. Choraram juntos! O choro que não tinha acontecido no Cemitério do Caju, no Rio, porque não havia dinheiro para trazer o corpo para Cabo Frio.
No sábado, a coluna política estava lá plantada na página 2 e assinada por inteiro, com nome e sobrenome. E com um imenso orgulho!
Aprendeu naquela tarde, com um homem muito simples e amoroso a ter respeito pelo nome e sobrenome que carrega.
Manoel Lopes da Guia Neto

