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O PRESENTE DO “MÃO DE VACA”

Velho amigo do tempo em que as árvores da Praça Porto Rocha eram frondosas e infestadas de “lacerdinhas”, até hoje repete a história do tio, absolutamente “pão duro”, que a gente conhece como o popular “mão de vaca”. O homem era magro, espichado, com uma nareba, que absorvia o ar de toda a redondeza. Não ajudava ninguém.

Até mesmo Dona Milu, senhora da Irmandade do Santíssimo, carola das mais conhecidas e respeitadas da paróquia, encarregada de passar a sacola da coleta dos óbolos, na missa das 9, passava direto pelo miserável. Sempre impassível, não coçava o bolso.

Morreu seco, do jeito que viveu. A devotada esposa, ela mesma, logo após o enterro, mandou rezar a Missa de 7º Dia, mas parecida com Missa de Ação de Graças, tal a expressão de alívio e felicidade da viúva. Para espanto e regozijo de Dona Milu, a viúva depositou na sacola de coleta, aquela de pano vermelho aveludado, quantia que dava para cobrir um mês de “santíssimas esmolas”. Por milagre, o passamento do velho miserável acabou por ser lucrativo para a paróquia.

Pois foi na saída da “festiva” Missa de 7º Dia, que o amigo me contou, que uma única vez ganhou presente do sovina, que por falta de sorte, também era seu padrinho.

Foi no comício final da campanha de Janio Quadros a presidência da república, em 1960, que, por incrível que pareça foi realizado, na Praça Porto Rocha, em Cabo Frio.

O símbolo da campanha era a ‘vassoura’, que o candidato anunciava que iria usar para varrer a corrupção, no Brasil. Os cabos eleitorais do caspento distribuíam para os eleitores, nos comícios, milhares de vassourinhas para pregar nas blusas, camisas, lapelas dos paletós e gravatas. Uma dessas vassourinhas caiu ao chão e depois de recolhida, devidamente guardada pelo avarento, foi dada ao sobrinho/afilhado como folheada a ouro.

E só! Nunca mais viu sair nada do bolso do padrinho. Ao morrer ainda lhe deu trabalho e dor de cabeça. Velado no próprio apartamento para que não fosse gasta nenhuma taxa na capela mortuária, na saída para o cemitério, o caixão não coube no elevador. Teve que descer escada abaixo, o distinto defunto, que morava no 3º andar. Tarefa que coube ao afilhado, que recebeu de “herança” a “vassourinha de Janio” e ao prefeito da cidade.

Debaixo de sol inclemente o féretro ganhou a rua em direção ao cemitério. Ninguém entendeu nada, mas na porta do campo santo o afilhado, suado, pediu pra parar e descer o caixão. Espantados os acompanhantes o assistiram abrir a tampa, colocar um pequeno objeto nas mãos do falecido, fechar e mandar seguir.

– Vai varrer no inferno!

Até na morte o sovina deu trabalho!

Manoel Lopes da Guia Neto

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