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Crônica / Conto

A NOVA ROUPA DO REI

Creio que todos conheçam aquela velha história da roupa do rei. O que poucos sabem é que depois daquela vergonha monumental a que fora exposto perante o seu povo, o rei decidira arrumar suas trouxas (excetuando-se, é claro, a tal “roupa invisível”) e vir embora para o Brasil.

Sua alteza chegou bem no período do carnaval e, sem perder tempo e com o firme propósito de reconquistar aqui na terra das palmeiras a sua majestade, contratou dois marqueteiros descolados para torná-lo a mais nova celebridade do momento. No seu antigo reino, o velho monarca não tinha muito com o que se preocupar. Herdara uma riqueza construída por gerações de pouco ou nenhum trabalho, mas com muito suor e privações daqueles a quem esses recursos deveriam pertencer.

Com tanta riqueza e consciente de estar no topo da sua cadeia alimentar, lugar privilegiado no qual acreditava piamente que estava acima da moral e da lei, achava-se naturalmente amado, sobretudo por aqueles que disputavam como cães famintos, as suas migalhas reais. Chegava a ser caricato e engraçado o fato de que todos tentavam imitá-lo. Nos trejeitos, no modo de falar, de andar e, sobretudo, de se vestir. Por isso, qual não foi a grande surpresa (e isso a história original não conta!) quando desfilou nu perante o povão, havia um séquito de pelados vindo logo em seguida, todos que encomendaram com os tais alfaiates farsantes, modelos feitos com o mesmo “tecido mágico” da “roupa” do rei.

Pois bem, os marqueteiros logo decidiram que seria um bom começo o rei cair na folia e desfilar o quanto seus nobres pés aguentassem. Era preciso que ele estivesse no máximo de lugares, ser visto em tudo ou quase. O rei só impôs a condição de, dessa vez, desfilar composto com toda a pompa e circunstância das vestimentas. E qual não foi a sua surpresa ao constatar, embasbacado, que dessa vez eram os plebeus que ostentavam sem grandes consternações o máximo possível da sua nudez. Por um segundo pensou ter feito tudo errado ao abandonar seu reino original, pois poderia estar diante de um povo tão inteligente quanto ele fora, ao vestir as tais roupas invisíveis.

Porém, foi logo tranquilizado pelos marqueteiros, recolocando as coisas nos seus devidos lugares. Assim, o rei pôde desfilar e suar a baldes para lá e para cá. A coisa só começou a ficar estranha quando alguém do governo local teve a brilhante ideia de fazer uma boa troça e oferecer as chaves da cidade, o cetro e a coroa para o rei.  Achando que sua realeza tinha sido subitamente reconhecida, o rei fez um inflamado discurso e exigiu todo o tipo de reverências (feitas alegremente pelo povo, que achava uma graça entrar na “brincadeira”).

Nem mesmo os marqueteiros conseguiram fazer Sua Alteza abandonar esse sonho de carnaval e voltar para a realidade. A quarta feira de cinzas já tinha passado e, com ela, toda e qualquer esperança de que o rei abriria mão do seu reinado. Restava aos contratados conformarem-se com o régio provento que recebiam e, com ele, abraçar o pitoresco e lascar nas redes sociais do rei os conteúdos do seu “novo governo”.

O resto do que eu vou contar, qualquer um pode conferir nas redes sociais de Sua Alteza. Ao fingir que governava, estava sempre aparecendo à frente de tudo, do mais comezinho ao mais espetacular. Foi às ruas, entabulou ensaiadas conversas com seus súditos, que se desmanchavam todos no mais desavergonhado beija-mão; recebeu apupos e vivas e se surpreendeu com a quantidade de pessoas que pediam para registrarem o momento em suas próprias redes pessoais. Um estouro! A cidade que o rei governava era perfeita. Tudo ele resolvia tão rápida e lindamente que chegara ao ponto de os marqueteiros terem que criar mais rapidamente os problemas, antes que o rei já tivesse a solução deles, como sempre acontecia!

O que começou como uma piada foliã terminou de forma esquisita. Os que governavam de fato aquela pobre e longínqua cidade começaram a não achar mais tão engraçada essa alegoria. O rei fazia sombra demais na verdadeira realeza e isso já estava gerando conversas mais sérias sobre o poder. Pelo preço adequado (e pela ameaça certa), fizeram com que os marqueteiros do rei o transformassem gradativamente num bobo dessa corte imaginária. Com o tempo, o povo foi perdendo o interesse no rei e começaram realmente a achar tudo realmente uma grande bobagem.

E foi assim que o rei percebeu que, infelizmente, estava novamente nu, ainda que vestido dos pés à cabeça. E foi-se embora. Ninguém sabe para onde foi, se voltou para sua terra, ou governa outro lugar, real ou imaginário. Se um dia eu descobrir, conto para vocês!

Paulo Cotias é psicanalista e escritor. Visite o site www.psicotias.com e acompanhe os conteúdos do Canal Psicotias no YouTube, Facebook, Instagram e X (Twitter).

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