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A ESQUERDA BRASILEIRA PRECISA CONSTRUIR ALTERNATIVAS PARA A SUPERAÇÃO DO LULISMO

Lamento toda a vez que vejo setores da esquerda atribuindo a retirada de direitos apenas aos partidos de direita, Temer e Bolsonaro. Que me desculpe os companheiros petistas, mas não podemos reproduzir um discurso pronto e calculado que é próprio para omitir o papel fundamental do PT e seu enorme grau de responsabilidade sobre a “toxicidade” do atual quadro político no país.

Michel Temer só assumiu depois do impeachment porque era vice de Dilma. Tudo começou lá atrás, quando Lula optou por se aliar ao antigo PMDB e afins e entrar no jogo da elite capitalista tupiniquim. As alegações da cúpula petista sempre são ligadas a necessidade de uma governabilidade possível e a equilibrar uma desfavorável correlação de forças no Congresso. É preciso lembrar que Dilma, após sua eleição, aplicou uma política de ajustes fiscais com o banqueiro Joaquim Levy no Ministério da Fazenda, mesmo prometendo não mexer nos direitos do povo. Apresentou um projeto na campanha e no governo adotou a derrotada “agenda aecista”.

A retirada de direitos não é recente. Em 2003, depois que Lula foi eleito pela primeira vez, a Reforma da Previdência foi o cumprimento de parte das promessas da “Carta ao Povo Brasileiro”. Manteve o Sistema da Dívida Pública, o tripé macroeconômico, o Fator Previdenciário (vetou o seu fim em 2010 no dia da estreia do Brasil na Copa), colocou o banqueiro Henrique Meirelles no Banco Central, além de outras medidas, dando continuidade ao pacto neoliberal do governo FHC.

Os programas sociais ao longo do governo Lula e Dilma foram ações compensatórias e temporárias. Foram importantes e produziram resultados econômicos positivos na economia, mas também visavam não só o marketing eleitoral do PT, como também benefícios para a própria elite capitalista, a fim de alimentar a massa de consumo. Porém, por serem compensatórias e não estruturantes muitas destas medidas foram “implodidas” no terrível governo Bolsonaro de triste memória.

O projeto “Minha Casa Minha Vida” compensou a imensa escalada de despejos nas periferias pelo avanço da especulação imobiliária, movido por empreiteiras regadas à verba pública superfaturada, como a Odebrecht, Queiroz Galvão, OAS, Andrade Gutierrez, etc. Fies e Prouni compensaram a privatização e o monopólio da educação pelos tubarões do ensino, Kroton, Anhanguera, etc. O Reuni expandiu as universidades federais em quantidade, mas não em qualidade.

A renda do trabalhador subiu um pouco com o Bolsa Família e o aumento do salário mínimo acima da inflação (muito abaixo do patamar de dignidade humana segundo o Dieese). Foram medidas para que se adquirisse bens de consumo, mas não produziram efeitos significativos e duradouros na redução da desigualdade social. Dados e pesquisas recentes reafirmam este efeito.

O orçamento da Educação, Saúde, Saneamento, Habitação, etc, seguiram insuficientes como nos tempos de FHC, enquanto crescia a dívida pública interna, a isenção fiscal das grandes empresas e do setor agropecuário, as concessões públicas de estradas a exploração de petróleo, assim como os esquemas corruptos envolvendo todos os grandes partidos.

Isso sem falar da situação no campo, que nos governos do PT apresentaram um baixo volume de assentamentos de sem-terra e indígenas. É um dado estranho e triste, mas verdadeiro. O favorecimento da elite latifundiária agroexportadora proporcionou o “boom” no comércio das commodities, sobretudo com a China, ao mesmo tempo em que o longo processo de desindustrialização do país crescia sem providências efetivas. Neste governo atual há uma tentativa de reverter este quadro com uma política industrial, mas ainda não produziu resultados consistentes.

O governo Dilma, ao longo do tempo, teve que retirar cada vez mais os mesmos benefícios compensatórios e temporários para manter-se no poder agradando a uma elite cada vez mais exigente de um neoliberalismo radical. Para refrescar a memória de alguns, neste período, tínhamos o Exército promovendo uma ocupação na Maré, lei antiterror aprovada, criminalização de manifestantes, Força Nacional para reprimir manifestações e garantir privatizações como a do pré-sal, tudo isso sob as bênçãos de José Eduardo Cardoso, ex-ministro da Justiça. Toda essa “democracia” ocorreu, infelizmente, durante o governo petista.

No entanto, mesmo assim Dilma perdeu o controle do Congresso, fragilizando a tática da “governabilidade lulista”, diante do enorme descontentamento popular, através das greves, outras mobilizações e até as marchas pelo impeachment dos “paneleiros”, manipulados pela mídia de direita. A saída para elite, inclusive a judiciária, foi substituir Dilma por Temer, a fim de unir novamente o Congresso e dar continuidade a retirada de direitos sem passar pelo processo eleitoral.  A diferença desta vez é que o “novo tempo” fez com que o PT perdesse sua utilidade para a alta burguesia brasileira. Isso também incluiu a ação seletiva de barrar Lula nas eleições de 2018, através de sua injusta condenação na Justiça.

A partir de então, o PT mudou de estratégia e passou a tentar desgastar Bolsonaro para que no processo eleitoral vindouro, Lula, após sua libertação, pudesse realinhar um novo pacto a “La Concertacion” para atingir novamente a presidência. A estratégia obteve sucesso. Este pacto volta de novo o incluir o famigerado “Centrão”, liderado antes por Arthur Lira (PP-AL), e agora por Hugo Motta (PP-PB) e Davi Alcolumbre (União/AP), além de quase todos os partidos fisiológicos presentes no Congresso. O fortalecimento do legislativo neste quadro atual encurralou de novo o governo Lula, criando inúmeras dificuldades para aprovar qualquer pauta que favoreça o trabalhador e a população mais pobre.

Portanto, neste momento em que o povo trabalhador sente o impacto da reforma trabalhista, da reforma previdenciária, dos cortes de gastos nas áreas sociais pelo “teto de gastos” ou “arcabouços fiscais”, não podemos desviar o foco da luta principal, colaborando com a amnésia induzida que tira o PT da conta da retirada de direitos.

Porém, reconheço, que como a esquerda brasileira ainda não consegue construir projetos e nomes para eleições futuras, Lula ainda é a melhor alternativa para derrotar o bolsonarismo e a extrema direita. Infelizmente, o quadro político atual sinaliza não uma disputa entre esquerda e direita, mas sim, entre civilização e barbárie.

A democracia no Brasil não é plena e não é de hoje. Temos milhões de pessoas sem acesso à habitação e saneamento básico, milhões de presos preventivos sem julgamento, a concentração da grande mídia nas mãos de algumas famílias, uma polícia alicerçada em métodos de exceção permanente nas periferias das grandes cidades, cinco grandes empresários têm patrimônio equivalente ao da metade da população, e por aí vai.

A esquerda no Brasil só poderá ter um projeto verdadeiramente transformador e estrutural quando superar Lula e todas as distorções do “lulopragmatismo”. O pior que o PT fez não foi manter e aprofundar a reforma da previdência, os escândalos de corrupção em campanhas eleitorais, não auditar a dívida pública, o loteamento fisiológico de ministérios, não fazer uma reforma tributária progressiva, a reforma agrária, a reforma política e nomear banqueiros para gerir a Fazenda e o Banco Central.  Isso tudo os outros também fizeram. O que de pior fez o PT foi aniquilar ideologicamente com centenas de milhares de ativistas de esquerda que hoje acreditam que a única saída possível é a conciliação de classes sob o argumento da falta de uma correlação de forças mais ajustadas pelo fascismo presente no congresso e na sociedade, além dessas tais “alianças pela governabilidade”, ambas defendidas arduamente por Lula.

Vamos parar com este papo furado que “carimba” segmentos da esquerda socialista que fazem críticas a Lula e ao PT, críticas políticas e respeitosas, de estar “a serviço da direita”. Isso é argumento primário que fica na “superfície” da análise política e econômica do país nos últimos 35 anos. É óbvio que eu não sou dono da verdade e respeito opiniões contrárias, mas penso que quem afirma-se de esquerda precisa reconstruir esta luta em cima de uma alternativa radical e popular, radical no sentido de mudar pela raiz, por fora deste modelo de governança apodrecido. Precisamos lutar por mudanças que não se limitem apenas às eleições.

É fundamental que as novas lideranças de esquerda estejam ao lado das mobilizações dos trabalhadores e dos movimentos sociais organizados visando mudar este sistema em suas estruturas. O foco precisa estar na economia e na justiça social e não no identitarismo. Este movimento já existe, mas ainda é muito tênue, e confesso, não consigo enxergar esta possibilidade de aumento no curto e médio prazo, ou ainda, se isso de fato será alcançado algum dia.

Claudio Leitão é economista e professor de história.

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