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Crônica/Conto/Poesia

NÃO ME LIGA

Paulo Cotias (*)

Quando foi lançado aqui em nosso país tropical, o telefone era uma novidade formidável. Tudo bem que foi uma revolução atrasada, mas teve um efeito e tanto. Ter uma linha pessoal na sua residência era, em verdade, um investimento. Além de pagar pela linha e pela instalação (o que não era nada barato), você se tornava uma espécie de acionista da companhia, que usava esses recursos como parte do seu investimento em expansão da rede. Tecnicismos à parte, isso significava na prática que um telefone em casa era um bem que você declarava no imposto de renda e deixava como herança no seu testamento. Hoje, não imagino quem queira herdar meu humilde e gasto chip de celular.

Como tudo isso era caro, a saída era contar com os orelhões. Sim, aqueles telefones públicos que, primeiramente, eram alimentados pelas icônicas fichas (quem naquele tempo saía de casa sem as suas?) e depois, para alegria dos colecionadores, cartões telefônicos. Ligava-se para todo o tipo de intenção. Para fazer um comunicado, dar uma satisfação, buscar um serviço, ouvir a voz de quem se ama, ajustar seu relógio com o horário de Brasília, adquirir algumas doses de conhecimento enciclopédico ou, ainda, encher a paciência dos outros com trotes.

Poder receber um telefonema era tão positivamente excitante quanto receber aquela esperada carta pelos correios. Mas o tempo foi passando e, com ele, os telefones foram deixando de ser uma novidade e nós mesmos começamos a ficar enfastiados dessa coisa de ligar para os outros e vice-versa. Com a invenção do identificador de chamadas, já se podia escolher quem (não) atender. O telefone, como nós o conhecíamos, começou a ficar moribundo. As linhas ainda dariam seus últimos suspiros, aliás bem esganiçados, quando instaladas nos modens dos computadores para o caríssimo acesso à nascente internet. Antigamente, se cobrava por pulso. E era preciso mesmo pulso para segurar a garotada para não surfar na rede antes da meia noite, o horário cabalístico da tarifa única.

A coisa foi rolando ladeira abaixo com a invenção dos celulares. Telefones fixos residenciais se tornaram um trambolho que nem ganhando de graça uma linha doméstica junto com seu provedor de internet você aceitava instalar. Cada vez mais modernos, os celulares se tornaram onipresentes. De início, tomaram o lugar de fala dos seus ancestrais e, de certo modo, revivemos um pouco daquela euforia do “me liga”. Mas, hoje, as coisas estão muito diferentes. Novos aplicativos permitem falar com recursos de imagem e som, entre outras funcionalidades que mais parecem um espetáculo de mágica.

Porém, parece que voltamos aos tempos do bilhete. Me mande mensagens curtas por favor. Não ouço áudios longos. E nunca, jamais, em hipótese alguma, me ligue. É o que mais ouvimos. Ligar para alguém atualmente ou é um atestado de intimidade ou uma tentativa de invasão de privacidade. Depende do referencial do observador. Seja como for, parece que avançamos tanto nos recursos de comunicação justamente para não nos falarmos. Vai entender…

(*) Paulo Cotias é psicanalista e escritor. Visite o site www.psicotias.com e acompanhe os conteúdos do Canal Psicotias no YouTube, Facebook, Instagram e X (Twitter).

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