
José Sette de Barros (*)
Durante muitos anos eu possuía na minha pequena biblioteca alguns livros escritos por James Joyce. Confesso que sempre que começava a ler desistia de continuar. Não conseguia acompanhar a sua intricada narrativa. Assim Ulisses, Dublinense, Retrato do Artista Quando Jovem e também um estudo sobre o romance moderno com textos de Ezra Pound, Umberto Eco, Ítalo Svevo, Richard Ellmann, onde encontrei a epifania de sua essência, ficaram adormecidos nas estantes. Comecei a escrever esse filme há alguns anos atrás. Foi em uma noite de insônia que devorei novamente “As Irmãs” o primeiro dos contos de Dublinense e fiquei extasiado.

Depois foram vindos de roldão os outros 14 contos restantes e toda obra do genial escritor. Apaixonado pela redescoberta, debrucei-me na vida e na obra deste misterioso artista, primeiro com os ensaios dos autores acima citados e depois com algumas pesquisas feitas pela internet. Assim, ilustrado, pude experimentar o prazer de degustar o seu intricado texto, a poesia inocente do “Retrato do Artista Quando Jovem” e finalmente o colosso de “Ulisses”, o que mais demorei a reler, o mais difícil de ser decifrado. Apaixonado comecei, de pronto, a ordenar e a digitalizar a urdidura, a trama, que alinhei a outros autores – Shakespeare, Gabriele D´Annunzio, Oswald de Andrade – vistos como peças de um quebra-cabeça que no tabuleiro tomavam a forma da história poética que deveria ser contada. Como a minha poesia, é composta por imagens e sons, resolvi fazer um esboço do que mais havia sensibilizado os meus sentidos em todos os textos lidos e imaginados cinematograficamente. Frases soltas, deste ou daquele momento, retiradas do romance ou dos contos, poemas e todo erotismo fantástico deste anárquico e misterioso ser, foram enchendo páginas e mais páginas de papéis com a minha confusa caligrafia. No final dessa maratona enlouquecida eu já havia esboçado o desenho do que viria a ser o primeiro tratamento do roteiro do meu mais ambicioso filme. A partir do meu encantamento cinematográfico, criado pelas imagens que surgiam da leitura dessas anotações esquecidas, nasceu “Quebranto”- um filme das alucinações literárias e dos sonhos existenciais do personagem João, que também é José e Joyce, antropofagicamente enfeitiçado pelo cinema nas suas duas horas de vida.
Obrigado a todos vocês que participaram deste sonho.
(*) José Sette de Barros é Artista Plástico e Cineasta.