“Em 1954 uma “profeta” e dona de casa do Michigan, Dorothy Martin, previu que uma nave espacial levaria ela e seus seguidores para fora do planeta, pois a Terra seria inundada. Precisamente, ocorreria no dia 21 de dezembro daquele ano. Deus teria avisado apenas a ela. Então Dorothy e seus discípulos largaram suas posses, suas famílias para esperar o resgate.
Como a história era pública, psicólogos pesquisadores, chefiados por Leon Festinger, se infiltraram no grupo para observar a reação dos crentes quando a profecia não ocorresse. Estavam justamente estudando: como as crenças se transformam quando a realidade se impõe.
Quando a nave não chegou, os membros da seita concluíram que as orações deles teriam sido tão eficazes que impediram a destruição do planeta. Por isso a nave não foi necessária. Ou seja, o pensamento mítico, tanto como o pensamento paranoico, nunca é vencido. A experiência contrária, não só não afunda a tese, como a reforça. Sujeitos emocionalmente envolvidos com suas crenças não abrem mão do sistema que usam, eles torcem os fatos para encaixar na teoria prévia. Por isso o conceito de dissonância cognitiva, a diferença entre aquilo que ocorre e como isso é entendido pelo sujeito.
O conceito foi desenvolvido no livro When Profecy Fails, (quando as profecias falham) e nos ajuda a pensar os caminhos da nossa psique. A questão é que isso não ocorre apenas em seitas apocalípticas. O exemplo é grosseiro, para demostrar com clareza, mas existem gradações dessa forma de pensar. Podemos ter ilhas de dissonância cognitiva dentro do nosso sistema de pensamento.
Somos herdeiros de uma tradição racionalista que acreditou demais na tese de que o ser humano seria razoável e guiado pela razão. Como se o tempo da ciência tivesse chegado e o do mito ficado no passado. Somos racionais, mas de modo intermitente, nem sempre, ou nem em todos os assuntos.
Isso envolve a todos. Estou falando de mim e de você caro leitor. Por que seríamos imunes a cantos de sereias de crenças quando elas nos convém? Infelizmente o modo mítico de pensar é a nossa base natural. Nós não somos amigos dos fatos e sim da nossa maneira de pensar.
A saída é a radicalização da alteridade. Aceitar a parcialidade de nosso saber e furar todas as bolhas possíveis. Exercer de fato a tolerância com outras formas de pensar. O melhor termômetro é a dúvida, pois a paranoia é o paraíso da certeza. Siga quem menos parecer um profeta. Fuja de quem não se inclui no problema, e culpa apenas os outros. Evite quem espuma ódio, pois é signo de uma paixão, logo de uma cegueira. E, principalmente, precisamos insistir na tese que todos temos direitos a opiniões, mas não existe um direito aos fatos.”
Mário Corso – Escritor e Psicanalista.