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Crônica / Conto

DISCO DE VINIL

Paulo Cotias (*)

Que mania é essa que inventaram de compactar as coisas para transformá-las em “experiências de consumo”? Outro dia, me peguei no saudosismo dos tempos em que era mais novo e desejava aquelas aparelhagens de som que vinham com os módulos para discos e fitas cassete. Tudo bem que as fitas eram mais práticas e tal, uma primeira tentativa de compactar a experiência, mas o disco de vinil era imbatível.

Havia uma reverência e um ritual para o vinil. A conservação das capas de papel, o plástico que evolvia o disco, aquela passada de flanela para remover poeiras e sujidades do manuseio. A paciência de ouvir cada faixa, ou a impaciência de ir para a faixa onde sua música preferida estava… E o som… Inigualável, quente, repleto de nuances. Não pense você que isso é apenas uma sensação subjetiva. O vinil obedece ao método analógico, pelo qual o som é capturado como ondas contínuas, do mesmo modo como o faz na mãe natureza. Os ouvidos agradecem.

Mas aí veio o povo da compactação. Primeiro com os cds (compact disc) e depois com os frios arquivos ainda mais comprimidos. Obviamente, essas novas mídias ocupam menos espaço, são compartilhadas mais facilmente, sobretudo se esse compartilhamento visar a individualização extrema. Antigamente, não era incomum convidar os amigos para ouvir um disco e bater um papo. O vinil era parte do que havia de bom na experiência social no antropoceno. Hoje, você compartilha à distância ou divulga nas redes sociais a sua playlist. Quem quiser que te siga, ouça ou não.

Infelizmente o saudoso vinil foi apenas a primeira vítima. A vida está cheia de arquivos compactados por pessoas comuns, pelos influenciadores de ocasião e empresas que asseguram que o pacote embalado, rotulado e precificado que te mostram compulsivamente é a garantia de que você viverá uma experiência roteirizada. E, como reza todo script, deve-se seguir as instruções sobre como você registrará tudo isso com os tipos “certos” de vídeos, fotos, hashtags, frases de efeito e, obviamente, já incluso com a opinião pronta sobre o que você acha que viveu.

Talvez seja por isso que ao término desses pacotes compactados, retornamos ainda mais cansados e esvaziados. Porém, cheio de registros dos pratos, do desenho do cafezinho, do menu da moda, da pose com aquele fundo que todo mundo já usou. Com a memória das conversas vazias de conteúdo, mas cheias de clichês, comparações e exibicionismo. E isso está valendo desde uma “experiência” de cafeteria, “experiência” de atividade física, “experiência” de compras, e por aí vai.

Andam dizendo que as bolachas de vinil estão voltando aos poucos. Quem sabe se com elas também não voltaremos a perceber o que é sublime, significativo e autêntico?

(*) Paulo Cotias é psicanalista clínico e escritor. Visite www.psicotias.com e inscreva-se no nosso Canal Psicotias no YouTube para conteúdos exclusivos!

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