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Crônica / Conto

NÃO PODEMOS PERDER AS ESTRIBEIRAS

Cláudio Leitão (*)

O país nunca esteve tão dividido politicamente como agora. A divisão que começou a se mostrar mais evidente a partir de 2018 com a eleição de Bolsonaro, chega neste momento ao seu nível máximo de tensão com o recente indiciamento pela Polícia Federal do escroque e todo o seu bando de milicos golpistas. Esta tensão já começa a sair das redes sociais e ir para as ruas, bares e cafés quando se comenta os fatos. Por isso digo: não podemos “perder as estribeiras”!

Eu vivi na semana passada esta experiência “explosiva”. Estava num café, no centro da cidade, tomando um belo cafezinho com meu chapa Professor Babade, comunista de carteirinha e tudo, já que esteve em Moscou há décadas atrás, representando o PCB num “curso” na Universidade da Amizade dos Povos Patrice Lumumba. Lá, inclusive, conheceu e teve aulas com o premiê russo da época, Konstantin Tchernienko (1911/1985). Teve também uma história de “compartilhamento de conhecimentos” com uma militante comunista angolana, mas isso é melhor deixar pra lá!

Dito isso, vamos ao fato que me fez perder as estribeiras. Comentávamos sobre a ação da PF, as denúncias e os indiciamentos desta turba. Confesso que falávamos com muita veemência e uma certa comemoração dos fatos. Não percebi naquele momento que um casal numa mesa a frente nos ouvia e observava. De repente, o casal levanta e ao se retirar o homem, de cerca de uns 60 anos, passa pela nossa mesa e diz com uma cara raivosa: “Comunistas de merda”!

O nobre e educado professor riu e deu tchauzinho. Ele é comunista mesmo. Eu não segurei a minha onda. Levantei e parti para cima do bolsonarista aloprado. Fui falando tudo. Sai daqui seu “bolsonarista de merda”, fascista, você não respeita a opinião contrária à sua não, seu “negacionista de merda”, puxa saco de golpista, além de outros, digamos, impropérios mais fortes”. Fui falando e empurrando o “apoiador do mito” para fora da galeria. Ele só falava: vai me agredir agora, vai?

E eu respondia: vontade eu tenho, mas não sou “galo de briga”. Você é que me agrediu com palavras. Em momento nenhum me dirigi a você. Não te conheço e nem quero conhecer. Virei para a mulher do otário e falei: leva este babaca daqui. A mulher o abraçou e o levou. Entretanto, ao passar pelo outro lado da galeria ainda gritou antes de ir embora: “comunistas de meia tigela”!

Nada mais antigo e demodê do que essa frase tola. É típico destes descerebrados. Já de volta a mesa tive que ouvir os “esporros” do professor Babade. Realmente me excedi e me arrependi do “arroubo”. Dizia o professor: e se este maluco estivesse armado? Te daria um tiro. Acho que a minha sorte foi que este fascista pelo menos era um frouxo.

Pois é, como disse no início do texto não podemos “perder as estribeiras”. Situações como esta tendem a se repetir com muita gente e em várias partes do país. Vai acontecer, tenham a certeza disso. Apesar da minha atitude tempestuosa, quero fazer duas perguntas a todos: Vocês acham que o nobre Professor Babade deveria ter me ajudado a expulsar o bolsonarista radical do café da galeria? Faltou coragem ou sobrou bom senso ao experiente militante comunista?

(*) Claudio Leitão é economista e professor de história.

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