Paulo Cotias (*)
Entrei na agência bancária com aquele ar conformado de quem passaria as horas da tarde em uma daquelas intermináveis filas. Durante um tempo fui o último, vendo-a fluir tão vagarosamente que poderia ser um daqueles experimentos mentais que Einstein desenvolvia quando criou a Teoria da Relatividade. Mas o assunto aqui não é sobre bancos, filas ou física. Não fui o último por muito tempo. Logo chegou mais gente e, depois da minha humilde pessoa, uma senhora simpática e expansiva. Conversa vai, conversa vem e, de repente, a senhora me sacou de dentro da bolsa um pequeno álbum de fotografias, aqueles de papel e envelopes plásticos que recebíamos quando mandávamos revelar os filmes. Uma pausa para explicar algumas coisas para quem não é do século passado.
Sim, antigamente usávamos rolos de filmes fotográficos para fazer os nossos registros! Havia os mais simples, que garantiam 12 fotos, os intermediários com suas 24 poses e, finalmente, o luxo de quem podia pagar pelos rolos de 36. Garantia, aliás, não havia. Tudo dependia da habilidade de se colocar o filme de modo correto na máquina e da própria máquina em si, que deveria fazer o seu trabalho com decência. E havia delas de todos os tipos, pequenas, elaboradas, com mais ou menos lentes e aquelas que você comprava os flashes descartáveis ou ainda as mais chiques, com flashes eternos embutidos no mecanismo.
Mas ainda assim não havia garantias. A performance do retratista contava. Não poderia haver movimento, tremor e a luz não podia estar no lugar errado. Caso contrário, a tristeza vinha na revelação. Mandávamos revelar os filmes em lojas especialmente designadas para tal tarefa e que se intitulavam de “laboratórios”. Imagine a minha cabeça de estudante a tentar entender se por trás do balcão havia uma sala secreta com pipetas, buretas, pissetas, dissecadores e outras traquitanas. Laboratório era um nome científico demais.
Uma vez reveladas, as fotos iam para os álbuns de família, das empresas, das escolas e muito mais. Porém, eram tempos diferentes. A foto era uma forma de preservar o momento, mas não substituía, nunca, viver o momento. Mostrar as fotos também era algo bastante seletivo. Era uma falta de educação atroz mexer no álbum de fotos na casa das pessoas sem ser autorizado para tal. A intimidade era litúrgica. Escolhíamos o que mostrar e, especialmente, para quem mostrar. Por isso, não fazia sentido algum sair por aí a exibir as fotos da sua formatura, do jantar de família ou do casamento da sua afilhada, para o primeiro estranho que você topasse no caminho.
Voltando ao caso da senhora na fila do banco, o pequeno álbum dela continha as fotos do parto da sua filha. Fiquei estupefato e constrangido pela violação da intimidade e assisti uma a uma com resignação estoica. Se fosse hoje, seria só mais um “feed” rolado aleatoriamente. Aliás, o estranho hoje é ter alguma intimidade para guardar. Como dizem por aí, para existir, tem que postar.
Paulo Cotias é psicanalista clínico e escritor. Visite o site www.psicotias.com e inscreva-se no nosso canal @psicotias no YouTube para conteúdos exclusivos!