Luis Fernando Veríssimo
“Querida Arroba Misteriosa. Sim, aceito casar com você. Será que o nosso será o primeiro casamento a nascer neste chat site? Pode dar matéria em revista.
Engraçado como são as coisas. Meus bisavós namoravam por correspondência. Foi um casamento arranjado pela família, a parte que emigrou e a parte que ficou na Europa. Só se conheceram quando ela chegou ao Brasil, de navio, e ele estava no cais, abanando as cartas dela em papel azul. Cheguei a ler uma destas cartas. Eram compridas, formais, o equivalente literário de um vestido abotoado até o pescoço. Um casto vestido azul. Não sei como eram as cartas do meu avô, mas tenho certeza de que ele tentou desabotoar, metaforicamente, alguns botões e até introduzir uma sugestão, um símile, uma alusão que fosse sob o vestido da bisa, sem sucesso. Corresponderam-se durante dois anos sem que ela sequer soubesse o que era sexo, quanto mais fazê-lo.
Já os meus avós se conheceram numa quermesse de igreja. Se mandavam recados pelo alto-falante da quermesse. ‘Alô garota do vestido grená, seu admirador de boina azul lhe dedica a música…’ Sabe? Durante quatro, cinco anos, eles só se falaram na quermesse anual da igreja, e sempre pelo altofalante. Quando finalmente se aproximaram, foram mais dois anos de namoro e um de noivado e só na noite de núpcias, imagino, ficaram íntimos, e mesmo assim acho que o vovô disse ‘com licença antes de era.
Meu pai pediu minha mãe em namoro, depois em noivado, depois pediu em casamento. Quando finalmente foi comê-la foi como chegar ao guichê certo depois de preencher todas as formalidades, reconhecer todas as firmas e esperar que chamassem a sua senha. Entende? Durante o namoro ele lhe mandava poemas. Minha mãe sempre dizia que os poemas é que a tinham conquistado, e que se fosse ser justa deveria ter casado com o Vinícius de Moraes. E você lembra qual foi a primeira coisa que você me disse quando nos conhecemos neste site*. ‘Eu não faço sexo no primeiro encontro, mas quem está contando?’ Só muito depois perguntou meu nome verdadeiro — meu nickname era ‘Brazilian Stallion’, lembra? — e deu outros detalhes da sua personalidade. As pessoas dizem que houve uma revolução sexual. O que houve foi o fechamento de um ciclo, uma involução. No tempo das cavernas, o macho abordava a fêmea, grunhia alguma coisa e a levava para a cama, ou para o mato. Com o tempo desenvolveu-se a corte, a etiqueta da conquista, todo o ritual de aproximação que chegou a exageros de regras e restrições e depois foi se abreviando aos poucos até voltarmos, hoje, ao grunhido básico, só que eletrônico. Fechou-se o ciclo.
A corte, claro, tinha sua justificativa. Dava à mulher a oportunidade de cumprir seu papel na evolução, selecionando para procriação aqueles machos que, durante a aproximação, mostravam ter aptidões que favoreciam a espécie, como potência física ou econômica ou até um gosto por Vinícius de Moraes. Isto quando podiam selecionar e a escolha era feita por elas, não pelos pais ou por casamenteiros. No futuro, quando todo namoro for pela Internet, todo sexo for virtual e as mulheres — ou os homens, nunca se sabe — só derem à luz bytes, o único critério para seleção será ter um computador com modem e um bom provedor de linha.
Quem ou o que será que nos juntou neste site, Arrobinha? Terá sido apenas o acaso, ou nossas almas já se buscavam no ciberespaço mesmo antes da Internet? Não interessa. O que interessa é que vamos nos casar e ser felizes. Por sinal, você ainda não disse o seu nome.
Sei que seremos felizes, Arroba Misteriosa. No futuro, muitos casamentos começarão assim como o nosso, num chat site.
Na nossa primeira conversa na Internet, você pediu especificações do meu aparelho e eu não sabia se você estava falando do meu computador ou do meu pênis. Mandei detalhes dos dois. Comecei na Internet procurando sexo, como todo mundo. Encontrei com facilidade. Só o que você precisa ter, além do software adequado, é curiosidade, tempo, paciência e um cartão de crédito internacional válido. Entrei em alguns sites incríveis. Eu pensei que conhecesse todas as variedades de sexo possíveis. Não conhecia nem a metade. De sexo com frutas e plantas eu já sabia. Mas não entrei nessa não. Meu negócio era gente. Meu negócio, vamos ser bem claros, era a minha solidão. Decidi criar coragem e entrar nesta sala de bate-papo na Internet para me comunicar com outros como eu. E com mulheres. Sou um cara tímido, meus contatos pessoais com mulheres sempre foram difíceis. A verdade é que minha vida sexual se resumia em chamadas para sex-fones em lugares que eu nunca identifiquei. Todas as mulheres tinham sotaque português e, quando eu perguntava onde elas estavam, respondiam ‘na cama, pois, ou ‘na banheira, ora e nunca diziam o país. Uma me perguntava uma coisa que parecia ‘estereto?’. Eu não entendia. Ela estereto?, e eu ‘o quê?’. E ela ‘estereto, pois não?’, e eu ‘o quê?’. Até que ela perdeu a paciência e gritou o nome da peça! Pensei que estivesse me xingando, só depois me dei conta de que estava perguntando se ele estava ereto. Não era uma vida sexual satisfatória. Até que entrei na Internet e você apareceu, Arrobinha. Foi como se eu fosse um peixe, um peixe pequeno me debatendo na rede, pedindo para ser notado e ao mesmo tempo com medo de ser pescado, e você tivesse metido sua longa mão branca na água e me pegado. Pelo menos imagino que a sua mão seja longa e branca. A primeira coisa que você me disse foi: ‘Eu não faço sexo no primeiro encontro, mas quem está contando?’ Eu disse que o meu nome verdadeiro não era ‘Brazilian Stallion’ e dei o meu verdadeiro nome — falso, claro — e só naquele nosso primeiro papo ficamos mais de uma hora, lembra? Durante a qual você me disse que tinha uma coleção de ursos de pelúcia que dormiam com você e era loira e alta e eu me apaixonei. Eu me apaixonei por palavras na tela de um computador. Amor ao primeiro chat. Naquela noite, tenho que confessar, eu tive um pensamento terrível. E se fosse tudo mentira? Se você não fosse o que dizia ser, nem loira, nem alta, nem louca para me conhecer e, meu Deus, nem mulher? Agora sei que você é sincera, e você sabe o meu nome de verdade mesmo. Vamos nos casar. Mas antes precisamos nos conhecer. Já fizemos o amor virtual, agora precisamos ter o supremo contato sexual, a união externa, a coisa mais íntima que dois seres podem fazer, que é nos olhar nos olhos. Enquanto não nos encontrarmos, Arrobinha, tudo permanecerá uma mentira em potencial. A começar pelos nossos orgasmos simultâneos. Diga a verdade. Você estava fingindo, não estava?”