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Crônica / Conto Pequenas Doses

A FEIRA

Paulo Cotias

Tudo começava às cinco horas da manhã. O barulho dos caminhões chegando e descarregando as pesadas armações de madeira. A gritaria dos mercadores, em especial, um pitoresco vendedor de frutas cuja voz potente conseguia a façanha de ser ao mesmo tempo engraçada pelo conteúdo e irritante pelo horário.

Era dia de segunda. E, na segunda, era dia de feira. Quem não conhece uma feira de rua não sabe o que está perdendo. É, talvez, um dos maiores espetáculos a céu aberto que a natureza humana pode produzir. Uma confusão danada de odores, cores, sabores, frutas, legumes, quitutes, artigos para o lar, carnes, peixes, e sempre algumas surpresas como as traquitanas vendidas no chão ou penduradas nas aratacas. Pedintes que a gente sabia o nome, artistas que performavam alguma coisa, vendedores de ervas e temperos que nunca vimos. E tudo isso deliciosamente harmônico naquele caos.

Na feira a sociologia deixava de ser matéria dos eruditos e virava experiência de vida. Duas fileiras de barracas, uma em cada lado da rua, só permitiam aos transeuntes espremerem-se no meio ou esbarrar-se nas laterais das calçadas. O meio era sempre a melhor passarela. Naqueles poucos metros que pareciam uma longa estrada romana, você perdia a noção de estar em uma grande cidade e, por um tempo, achava que tudo aquilo era uma grande aldeia, uma vila, na qual todos se conhecem, se cumprimentam e compram juntos.

O atendimento era cerimonioso, bordões, cantorias, chamamentos, tudo para atrair a atenção da freguesia. E não precisava o cliente sequer colocar a mão. Era voto de confiança sagrado que a pessoa da barraca escolhesse para você os melhores produtos. Nunca deu erro. Nem nas balanças antigas com aqueles pratos e pesos de ferro.

Quando era criança essa feira era um evento. Fazia questão de acompanhar minha avó nessa caminhada rocambolesca não apenas pelo amor da companhia, já que eu ainda não tinha como levar muito peso nas sacolas ou no antigo carrinho de arame, mas para provar um pouquinho de cada coisa nas cortesias obrigatórias de cada barraca.

A feira também não escapou da nossa adolescência, quando já a frequentávamos em nosso pequeno bando hormonal. E isso menos pela sua variedade de produtos e mais por causa de uma cisma, nascida do enigmático sorriso que foi lançado em direção ao grupo pela moça que vendia bananas. Briga daqui, resmungo acolá e disputas incansáveis nas quais cada um julgava ser o destinatário do sorriso. Pronto! Nascia ali a “musa da feira”, que povoou nossos delírios (até por que era exatamente isso, um delírio)

Dizem que a feira continua lá. Não sei, nunca mais a visitei. Talvez nem queira ou precise. Sempre que eu quero eu a visito na minha memória. E que sensação boa essa lembrança dá. Pena de quem só conhece o movimento de comprar alimentos com pedigree daquelas lojas de grife dos hortifrutigranjeiros. Coisa um bocado sem alma para o meu gosto.

(*) Paulo Cotias, psicanalista, historiador e escritor.

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