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A ESQUERDA BRASILEIRA PRECISA CONSTRUIR ALTERNATIVAS PARA A SUPERAÇÃO DO LULISMO

Acho de um primarismo gritante toda vez que vejo setores da esquerda atribuindo a retirada de direitos e a derrota nas eleições municipais em 2024 apenas aos partidos do Centrão, da extrema direita e os segmentos ligados ao bolsonarismo. Que me desculpe os companheiros petistas, mas não podemos reproduzir um discurso pronto e calculado que é próprio para omitir o papel fundamental do PT e seu enorme grau de responsabilidade sobre a degradação política atual e o “fenômeno” que levou a eleição do fascista que habitou o Palácio do Planalto.

Em primeiro lugar um pouco de memória histórica. O “companheiro” Michel Temer só assumiu depois do impeachment porque era vice de Dilma. Tudo começou lá atrás, quando Lula optou por estar ao centro e se aliar ao PMDB e seus asseclas do Centrão e entrar no jogo da elite capitalista tupiniquim. É preciso lembrar que Dilma, após sua eleição, aplicou uma política de ajustes fiscais com o banqueiro Joaquim Levy no Ministério da Fazenda, mesmo prometendo não mexer nos direitos sociais. Apresentou um projeto na campanha e no governo adotou a “agenda aecista”, depreciando direitos adquiridos.

A retirada de direitos não é recente. É importante lembrar que em 2003, depois que Lula foi eleito pela primeira vez, a Reforma da Previdência foi o cumprimento de parte das promessas da “Carta ao Povo Brasileiro”. Manteve o Sistema da Dívida Pública, o tripé macroeconômico, o Fator Previdenciário (vetou o seu fim em 2010 no dia da estreia do Brasil na Copa), colocou o banqueiro Henrique Meirelles no Banco Central, além de outras medidas, dando continuidade ao pacto neoliberal do governo FHC. Reformas estruturais zero !

Os programas sociais ao longo do governo Lula e Dilma foram ações compensatórias e temporárias. Foram importantes e produziram resultados econômicos positivos na economia, mas também visavam não só o marketing eleitoral do PT, como também benefícios para a própria elite capitalista, a fim de alimentar a massa de consumo. Porém, por serem compensatórias e não estruturantes estas medidas têm sido hoje “implodidas” por este Congresso com predominância parlamentar de direita.

O projeto “Minha Casa Minha Vida” compensou a imensa escalada de despejos nas periferias pelo avanço da especulação imobiliária, movido por empreiteiras regadas à verba pública superfaturada, como as antigas Odebrecht, Queiroz Galvão, OAS, Andrade Gutierrez, etc. Fies e Prouni compensaram a privatização e o monopólio da educação pelos tubarões do ensino, Króton, Anhanguera, etc. O Reuni expandiu as universidades federais em quantidade, mas não em qualidade.

A renda do trabalhador subiu um pouquinho com o Bolsa Família e os pequenos aumentos do salário mínimo (muito abaixo do patamar de dignidade humana segundo o Dieese). Foram medidas para que se adquirisse bens de consumo, mas não produziram efeitos significativos e duradouros na redução da desigualdade social. Dados e pesquisas recentes reafirmam este efeito.

O orçamento da Educação, Saúde, Saneamento, Habitação, etc, seguiram pequenos como nos tempos de FHC, enquanto crescia a dívida pública interna, a isenção fiscal das grandes empresas e do setor agropecuário, as concessões públicas a grandes emissoras, assim como os esquemas corruptos envolvendo todos os grandes partidos. O favorecimento da elite latifundiária agroexportadora proporcionou o “boom” no comércio das commodities, sobretudo com a China, ao mesmo tempo em que o longo processo de desindustrialização do país cresceu sem providências efetivas.

Em seu final, o governo Dilma teve que retirar cada vez mais os mesmos benefícios compensatórios e temporários para manter-se no poder agradando a uma elite cada vez mais exigente de um neoliberalismo radical. Para refrescar a memória de alguns, há alguns anos atrás, tínhamos o Exército promovendo uma ocupação na Maré, lei antiterror aprovada, criminalização de manifestantes, prisões arbitrárias em junho de 2013, Força Nacional para reprimir manifestações e garantir privatizações como a do pré-sal, tudo isso sob as bênçãos de José Eduardo Cardoso, ex-ministro da Justiça. Toda essa “democracia” ocorreu, infelizmente, durante o governo petista.

No entanto, mesmo assim Dilma perdeu o controle do Congresso, fragilizando a tática da “governabilidade lulista”, diante do enorme descontentamento popular, através das greves, outras mobilizações e até as marchas pelo impeachment dos “paneleiros”, manipulados pela mídia de direita, ex-aliada do PT. A saída para elite, inclusive a judiciária, foi substituir Dilma por Temer, a fim de unir novamente o Congresso e dar continuidade a retirada de direitos sem passar pelo processo eleitoral.  A diferença desta vez é que o “novo tempo” fez com que o PT perdesse sua utilidade para a alta burguesia brasileira. Isso também incluiu a manobra jurídica de barrar Lula nas eleições de 2018, através de sua injusta condenação na Justiça.

A partir de então, o PT mudou de estratégia e passou a tentar desgastar Bolsonaro, fazendo corpo mole para deixar passar as reformas (vide o cancelamento de duas greves gerais pelas centrais sindicais orbitadas pelo PT) para que no processo eleitoral vindouro, Lula, após sua libertação, pudesse realinhar um novo pacto a “La Concertacion” para atingir novamente a presidência. Este pacto, por incrível que pareça incluiu de novo o famigerado Centrão, Sarney, Barbalho, Alckmin, Renan, além de outros. Levar Lula novamente ao poder significou reeditar o processo de negar reformas estruturais e voltar com as políticas compensatórias de “novo estilo”, sob a ótica de que era a única alternativa possível.

Porém, neste momento, reconheço, que como a esquerda brasileira ainda não conseguiu construir projetos e nomes para 2026, Lula ainda é a melhor alternativa para derrotar o bolsonarismo, e isso, apesar do descontentamento com ele, se torna mais importante. A eleição em 2026, infelizmente, sinaliza uma disputa não entre esquerda e direita, mas sim, entre o pior, a barbárie bolsonarista, e o menos pior, a sempre frustrada tentativa de conciliação petista, sem nenhuma reforma estrutural no país.

A democracia no Brasil nunca foi plena. Temos ainda milhões de pessoas sem acesso à habitação e saneamento básico, milhões de presos preventivos sem julgamento, a concentração da grande mídia nas mãos de algumas famílias, uma polícia alicerçada em métodos de exceção permanente nas periferias das grandes cidades, cinco grandes empresários têm patrimônio equivalente ao da metade da população, e por aí vai.

A esquerda no Brasil só poderá ter um projeto novo, verdadeiramente transformador e estrutural, quando superar Lula e todas as distorções do “lulopragmatismo”. O pior que o PT fez não foi manter e aprofundar a reforma da previdência, os escândalos de corrupção em campanhas eleitorais, não auditar a dívida pública, o loteamento fisiológico de ministérios, não fazer a reforma tributária, a reforma agrária, a reforma política, nomear banqueiros para gerir o Banco Central, a Lei Antiterror e outras medidas restritivas a mobilização popular. Isso tudo os outros também fizeram.

O que de pior fez o PT foi aniquilar ideologicamente com centenas de milhares de ativistas de esquerda que hoje acreditam que a única saída possível é a conciliação de classes e essas tais “alianças pela governabilidade”, ambas defendidas arduamente por Lula. Este prejuízo tem uma dimensão devastadora, principalmente entre os jovens, que em número cada vez maior passaram a desacreditar na política como ferramenta de transformação social.

Vamos parar com este papo furado que “carimba” segmentos da esquerda socialista que fazem críticas a Lula e ao PT, críticas políticas e respeitosas, de estar “a serviço da direita”. É óbvio que eu não sou dono da verdade, respeito opiniões contrárias, mas penso que quem se afirmar de esquerda precisa reconstruir esta luta em cima de uma alternativa radical e popular, que dialogue melhor com as massas periféricas e os trabalhadores informais.  Radical no sentido de mudar pela raiz, por fora deste modelo de governança apodrecido. Precisamos lutar por mudanças que não se limitem apenas às eleições.

Este movimento já existe, mas ainda é muito tênue, e confesso, não consigo enxergar esta possibilidade de acerto no curto e médio prazo, ou ainda, se isso de fato será alcançado algum dia. Lula X Bolsonarismo. É o que temos no momento. Vamos ver mais à frente se o quadro político vai mudar.  Teremos uma “terceira via” pela esquerda? Não sei.

Desculpem o pessimismo !!

Claudio Leitão é economista e professor de história.

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