Luciana G. Rugani
Era fim de domingo. A linda tarde de sol começara a ceder seu espaço para a noite, deixando no céu seu rastro róseo-avermelhado. O mar, agora recuado, manso, como a querer descansar após um dia de agitadas brincadeiras. A areia branca, como fino polvilho a acolher nossos pés, convidou-me a deitar. Aceitei o convite e, ali, sob o carinho acolhedor e ainda quente do dia, adormeci e sonhei.
Vi-me a bordo de uma embarcação a observar uma terra rica de sal, povoada por indígenas tupinambás, onde a natureza era a proprietária plena. Uma vegetação atlântica riquíssima, farta de plantas medicinais, e muito pau-brasil a florir: Essa terra era conhecida pelos indígenas como Gecay, que, em tupi, significa um tempero de cozinha feito com sal grosso e pimenta.
Enquanto eu observava, repentinamente tudo passou a movimentar-se de maneira acelerada. Era o passar do tempo. O tempo a passar e eu ali, a observar.
Pude ver a chegada do homem branco, assisti a guerras e disputas terríveis. Em lágrimas, pude ver o pau-brasil indo embora e os indígenas sendo dizimados. Assisti a uma das tristes chegadas de escravos africanos no Bairro da Passagem. Vi construírem a feitoria e o Forte São Matheus. E, no acelerar do tempo, passei a voar. Voando sobre a cidade, vi surgirem a Igreja de São Benedito e a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Assunção. Vi surgir também o Charitas e o convento. E vi pessoas! Vi Teixeira e Sousa a rabiscar seus versos, vi vários poetas e músicos. Vi Antônio de Gastão! Mas o tempo seguia correndo e, de repente, vi, ao meu redor, prédios serem erguidos. Então, esforcei-me para voar mais alto. Vi a antes robusta e plena natureza transformar-se e ralear. Vi a laguna sofrer ao despejarem em si os dejetos, vi sofrer a pesca e brotar a força do turismo, vi ir embora a era do sal. E, em meio a muito burburinho, despertei!
Já era noite. O burburinho vinha da beira-mar, com seus restaurantes, bares e todos que ali transitavam, sem terem a menor ideia de onde verdadeiramente estavam. Estavam ali, em Cabo Frio, porém sem conhecê-la, sem perceber a riqueza da história que lhes permitiu estarem ali. Sem entender o porquê de certos nomes, de hábitos e tradições. Fiquei de pé e caminhei. Meu caminhar foi mais firme, pois agora tinha vivo em mim o passado, que me possibilitou compreender melhor o presente. Meu caminhar tornou-se mais próspero, pois, com o passado vivo em mim, aprendi a escolher o que poderá ou não colaborar para um amanhã com mais vida e mais humanidade. Mas, não basta guardar em mim esse sonho, egoisticamente, pois o entendimento do hoje e a transformação do amanhã só acontecerão se houver a construção dessa memória.
De Gecay a Cabo Frio, conhecendo, sentindo, amando, preservando e cuidando dessa cidade linda que tanto nos inspira amor e poesia. Esse é o caminho para que, no futuro, o sonho não seja um pesadelo.
Luciana G. Rugani
Academia de Letras e Artes de Cabo Frio – ALACAF e Academia de Letras de São Pedro da Aldeia – ALSPA
4 respostas em “DE GECAY A CABO FRIO”
Como disse ao descrever Luciana, você realmente foi o ontem e o hoje, e o amanhã será certamente menos preocupante, por que a Força Consciente dos seus pensamentos pode transformar a futura Cabo Frio porque você já está lá.
Meu querido amigo Vargas, saudades! Você compreende perfeitamente a essência da história em que passado, presente e futuro são facetas do ser eterno e consciente. Gratidão!
Forte abraço!
Lindo texto! Excelente reflexão. Para onde estamos caminhando???
Obrigada, caríssima!
Boa pergunta: “para onde estamos caminhando?”. Que aqueles que queriam refletir possam obter a lucidez necessária pra encontrar a resposta.
Grande abraço!