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AS PRAIAS E AS “CORTINAS”

Luciana G. Rugani (*)

Quando conheci a nossa belíssima Região dos Lagos, eu tinha 16 para 17 anos. A partir daí, nossas praias tornaram referência de beleza para mim. Conheci outras regiões litorâneas do país, mas não encontrei praia como as nossas. Em Cabo Frio, temos o exemplo da Praia do Forte. É difícil encontrar outra de areia tão clara, de tão larga extensão e do tipo “praia rasa”, que é aquela que, ao entrar no mar, a profundidade se dá pouco a pouco. Lembro que, quando estivemos em Ponta Negra, na cidade de Natal, Rio Grande do Norte, logo de manhã a praia chamou nossa atenção pela largura e por ser uma praia do tipo rasa, porém, por volta de meio-dia para frente, o mar toma toda a extensão da praia e, com tanta força, que torna impossível frequentá-la após meio-dia. Em outras praias do país, há também aquelas cuja orla foi tomada por grandes edifícios e, portanto, o dia torna-se curto em razão da sombra enorme que se estende por toda a extensão da praia, a partir de um certo horário. Frequentar essas praias também só é possível no início do dia, além do que, aqueles edifícios enormes na orla são totalmente incompatíveis com tanta beleza natural. Não combinam. Por mais que a arquitetura seja luxuosa, não há harmonia no conjunto, o concreto jamais se harmonizará com a beleza indomável e natural das praias. Aqui em Cabo Frio, ainda bem que a lei de uso e ocupação do solo que vigia ao tempo da construção dos prédios da orla (vale destacar, elaborada em governos anteriores do saudoso prefeito José Bonifácio) nos poupou desse horror. Mas, ainda assim, precisamos seguir atentos, pois há anos que, em todas as cidades da região, a especulação imobiliária segue na espreita atuando, de uma ou outra maneira, para abocanhar esse nosso patrimônio natural, que é nossa maior riqueza, para acabar com áreas de preservação e para aumentar os gabaritos de construção, como fizeram, recentemente e lamentavelmente, em Arraial do Cabo. Vale dizer que interferências como essas sempre reverterão em algum prejuízo ambiental, seja na destruição da restinga, na mudança de temperatura por alteração na circulação do vento, na impermeabilização de áreas ou até mesmo na maior vulnerabilidade para catástrofes ambientais.
Semanas atrás, escrevi um texto sobre a questão da demolição dos quiosques da Praia das Conchas. Manifestei meu posicionamento contra a demolição e percebi, nesse debate, como que, muitas vezes, os argumentos são utilizados na confecção de “cortinas” para encobrir os reais motivos de uma situação. Quantas vezes, por exemplo, usam o meio ambiente como desculpa e constroem com ele uma bela “cortina verde” para encobrir o que de fato está por trás. Percebi, ainda, como alguns que se manifestaram a favor da demolição estavam de olhos fechados para uma percepção mais profunda, para um olhar além do horizonte. Poucos dias depois de demolidos os quiosques, veio a público a notícia sobre o gigantesco empreendimento privado, em trâmites para aprovação, para todo o entorno da praia. Se, sem esse empreendimento, o acesso à praia já era irregularmente cobrado por particular, o que podemos esperar quando o empreendimento estiver pronto? Alguém, em plena consciência, acredita que o acesso não será restrito por cobrança de alto valor e não será elitizado? E, além disso, veio à tona também a Proposta de Emenda à Constituição n° 3/22 – PEC 3/22, que abre caminho para a privatização de todas as praias do País ao dispor sobre a transferência de áreas de marinha da União (áreas das margens de mares, rios e lagos) para estados e municípios e para a propriedade privada. Sabemos que, nos estados e municípios, é muito mais forte a pressão dos especuladores imobiliários. Essa PEC decorre de uma discussão que já vem acontecendo há cerca de onze anos, já passou pela Câmara dos Deputados e agora deverá ser rejeitada ou aprovada no Senado. Vale esclarecer que as propostas de emendas constitucionais não seguem para sanção da Presidência da República.
Então, percebemos que, há muito tempo, o “olho grande”, daqueles que não têm o menor cuidado e que não têm olhos de ver para a importância de se preservar esse patrimônio para todos, espreita nossas praias com a ganância própria de grupos que enxergam apenas exploração e lucro. Há muito têm ocorrido episódios aqui e ali de manifestação desses grupos, artimanhas de engorda de praias visando burlar os limites permitidos para construções, desmatamentos, incêndios de áreas de preservação, etc.
Nós, que escolhemos essa região para morar e que tivemos suas belezas naturais como razão primeira dessa nossa escolha, não podemos nos calar perante essa força destrutiva que busca nos enganar com as “cortinas” que escondem muito para poucos. A cidade, nossa natureza e todos os munícipes, não serão beneficiados por empreendimentos como esses na beira de nossas praias e pela abertura de portas para a privatização, muito pelo contrário. Empreendimentos que visam elitizar e restringir acesso a áreas públicas trazem apenas um público restrito e que simplesmente não está nem aí para a cidade, para sua natureza e para cuidar de seu espaço. É importante também que aqueles, que não puderam optar e que vivem aqui em razão de aqui terem nascido, se apoderem da realidade de que esse patrimônio natural é uma benção pelos benefícios que proporciona, é preciso que tomem consciência do quanto esse potencial natural é também um potencial curativo para tantos que nele vivem, e ainda, é preciso que despertem para a necessidade de cuidar e de amar verdadeiramente, protegendo, valorizando tudo de bom que o local nos oferece. É preciso que tenham consciência de que em todos os lugares há problemas, mas também, e principalmente, benefícios. Além do que, lembrar que a primeira certeza que pode ser modificar e melhorar um ambiente é a certeza de que ele é de todos e para todos, e que qualquer ânsia de lucro ou de dominação só fará aumentar os problemas e a desigualdade social como um todo.
As praias são e devem continuar sendo de todos, públicas, democráticas, além do mais, elas são, juntamente com as áreas de vegetação da região, nossa proteção natural contra catástrofes ambientais. Não é possível que, apesar de tudo que estamos vendo acontecer no Rio Grande do Sul, ainda tenhamos qualquer dúvida disso.
Busquemos, como eu disse, olhar além do horizonte, abrir nossa percepção para o algo mais que segue por trás das cortinas costumeiramente utilizadas para cobrir a verdade dos interesses de mera exploração, restritivos, egoísticos e destruidores.

(*) Luciana G. Rugani
Academia de Letras e Artes de Cabo Frio – ALACAF e
Academia de Letras de São Pedro da Aldeia – ALSPA

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3 respostas em “AS PRAIAS E AS “CORTINAS””

Obrigado por esse texto, querida, tão esclarecedor, necessário, envolvente e que denuncia o descaso, para não dizer oportunismo, com um dos espaços ainda democráticos, naturais e acessíveis do nosso país!

É isso.
E segundo nossa Constituição Federal, as nossas praias não podem jamais serem privatizadas. E todos têm que ter livre acesso.
Temos que nos movimentar para que está PEC jamais seja aprovada, pois contribuirá para uma maior exclusão social e também para a especulação imobiliária (“olhos gananciosos”) e isso só trará graves danos ao meio ambiente, danos irrecuperáveis.
Parabéns pelo texto !

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