Cláudio Leitão (*)
O atual estado de precariedade na saúde pública em Cabo Frio, beirando ao caos, reafirma uma questão que não tem sido observada por grande parte da população, principalmente os mais pobres, que são os mais afetados pela deficiência desta política pública fundamental: os agentes políticos que comandam e comandaram a saúde pública nos últimos 40 anos são os mesmos que controlam e ganham dinheiro com a saúde privada.
É óbvio que os interesses são incompatíveis. Com uma saúde pública desqualificada, os segmentos de classe média e classe média baixa fazem um enorme esforço no seu orçamento para adquirir um plano privado para que possam ter um atendimento com alguma qualidade. O segmento mais pobre, sem renda, fica inteiramente sujeito a precariedade do sistema. Este aumento dos usuários do sistema privado também sobrecarrega os serviços particulares de saúde acarretando também deficiências e demora no atendimento.
Abordo isso desde 2008, na minha primeira candidatura a prefeito, nas entrevistas e debates eleitorais praticamente sozinho. Em outras candidaturas a prefeito em 2012 e 2016, reiterei esta situação. Um Programa de Governo sério para mudar esta conjuntura precisa incluir a implementação de uma rede própria e autônoma no município. Não precisa ser especialista em saúde pública para saber que o grosso dos investimentos precisa ser direcionado para a saúde preventiva, de base, priorizando os postos do Programa de Saúde da Família, atualmente denominados ESF’s.
Estas estruturas primárias antecipam diagnósticos e tratam doenças crônicas que podem reduzir, posteriormente, as emergências hospitalares. É preciso tratar em primeiro lugar da saúde das pessoas e não apenas das doenças. Inauguram-se UPA’s, hospitais e outras Unidades de Emergência com enorme estardalhaço eleitoral, com um custo altíssimo, como se a emergência fosse a real política de saúde. A Secretaria é da saúde e não da doença.
Como não há uma política preventiva planejada e estruturada acontece uma sobrecarga no atendimento emergencial destas estruturas, o que gera grande insatisfação na população e situações de stress nos médicos e demais profissionais de saúde, que muitas vezes não recebem treinamento nem remuneração adequada. Os leitos com UTI’s estão em maioria na rede privada. Isso provoca um corte de classe social no tratamento dos casos mais graves. As providências tomadas pelos sucessivos governos municipais para o enfrentamento da situação sempre foram insuficientes.
É preciso investir e expandir a rede pública para atender a população mais pobre. A precariedade da saúde pública em Cabo Frio já elegeu e continua elegendo muita gente. Cria-se a dificuldade para depois vender o favor e a facilidade. Os feudos existentes criam currais eleitorais. Quando não se consegue a marcação de consulta ou exames clínicos aparece um agente político, principalmente vereadores, para agilizar. Quando não se consegue o remédio no posto de saúde tem sempre um vereador amigo para “ajudar” e assim vamos levando.
A fragilidade do sistema de saúde pública do município também já enriqueceu muita gente. São os proprietários de serviços privados que atendem a Prefeitura, que ao invés de investir em estrutura própria insiste em contratar estes serviços particulares sem a devida transparência. Alguns municípios podem mais e outros podem menos. Não há dúvida de que Cabo Frio é um dos que podem mais.
Durante os últimos 40 anos, mais de 15 bilhões de reais transitaram nos cofres municipais, fato que não deixa dúvida que faltou competência e vontade política para transformar este quadro. Saúde Pública não é prestação de serviços. Trata-se de uma política pública essencial, direito inalienável do cidadão, segundo a Constituição Federal, que teria que ser respeitado desde o primeiro dia de mandato.
A transformação de todo este quadro depende também de iniciativa política da população. Depende de nossa coragem, ousadia e da capacidade de assumir riscos e responsabilidades com um amplo processo de mudanças que envolva o prefeito e também a Câmara de Vereadores, a quem cabe a função de fiscalizar se uma efetiva política pública de saúde está sendo orçada e implementada.
“Desprivatização da Saúde Pública de Cabo Frio”.
Qualquer debate político sério a ser feito na cidade tem que tratar deste tema.
(*) Claudio Leitão é economista, professor de história e pré-candidato a vereador pelo PSOL.