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RECUPERAR UMA CIDADE COMEÇA PELA POLÍTICA

Recuperar uma cidade é uma tarefa complexa. A começar pelo desafio que a própria palavra impõe: recuperar o que? Pode-se falar em categorias gerais como a saúde, a educação, a pavimentação, o saneamento e a geração de empregos. Ainda assim, tudo continuará impreciso.

Acredito, particularmente, que a primeira coisa a se recuperar são as relações políticas. Um bom começo é a tentativa de se construir experiências partidárias que verdadeiramente tenham alguma relação com um conjunto de premissas e ideias que envolvam tanto os aspectos ideológicos quanto os programáticos. Com esse tipo de cuidado, poderia ser evitada a situação contemporânea na qual os partidos são meros balcões de negócios.

Claro que não se pode esperar que um diretório em uma cidade promova rapidamente uma transformação nacional. Contudo, ela deve começar em algum ponto e em algum lugar. Ou seja, alguém tem que dar o exemplo e o caminho. Para isso, a formação dos grupos políticos tem uma importância fundamental. Atualmente, não passa de um grupo de pessoas que se juntam, se esbarram e competem por um mandato. Obviamente, mandatos não são para todos e só os mais iludidos acreditam que a quase totalidade dos partidos tem os seus prediletos (para não dizer os que terão todo o suporte econômico e relacional para que se elejam). Para os que conhecem melhor a regra do jogo, a disputa se prolonga por alguma vaga dentro do governo vencedor (se for o de seu apoio, espera-se isso de modo automático. Mas, se vencer o adversário, nada como a boa e velha arrastada de asa).

Porém, não são estes partidos e candidatos a totalidade dos que vivenciam o processo eleitoral. Por isso, há esperanças.

Reconstruir as relações políticas significa considerar modos de participação cidadã. Isso é desafiador. De uns tempos para cá, a cidadania foi reduzida ao ato do voto e o que entendemos por cidadão, não ultrapassa o sentido de um povo passivo que espera os benefícios de um estado prestador de serviços. É preciso ir além. Construir modos de participação setorial, institucional, dialogar com eficiência, eficácia e efetividade com a sociedade civil e criar mecanismos de interferência direta ou indireta (como por exemplo nas experiências dos orçamentos participativos e dos conselhos não aparelhados pelo sistema). E é urgente abandonar a perniciosa prática de confundir deliberadamente uma militância com seguidores e participação com engajamento. Apoiar é muito mais do que repostar, compartilhar e dar likes. Apoiar é sustentar e, para ser a parte que sustenta uma estrutura é preciso, obviamente, integrá-la.

A partir daí, deve-se passar a um novo estágio, o de aprender a ouvir. Atualmente, os políticos supõem, quando muito, do que o povo precisa. Tirando os que continuam na pasmaceira do assistencialismo rasteiro e da exploração ostensiva da precariedade da existência do seu semelhante, sobram os que acham que sabem o que é necessário dar à população, mas sem se dar ao trabalho de ouvi-la. Esse passo adiante é fundamental. Isso não se trata de uma ouvidoria individualizada, mas de ações de organização e orientação para que as conversas sejam dirigidas de modo técnico e que possam se converter em propostas.

Usar os mecanismos das pesquisas de opinião também são importantes nessa nova formatação de relações, assim como a formação de grupos de pessoas capazes de pensar o pensamento e tornar o desejo da população em realidade, por meio das instituições e seus orçamentos.

Em resumo, há muito a ser feito. Começar a mudança pelo modo de construir as relações e as práticas políticas pode fazer toda a diferença, sobretudo para quem espera recuperar uma cidade.

*Paulo Cotias é professor, historiador, psicanalista e escritor.

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