Luciana G. Rugani (*)
Certa vez, enquanto aguardávamos a resolução de um negócio em uma concessionária de veículos, um beija-flor entrou e permaneceu voando no local. O espaço era grande, possuía um pé-direito de cerca de seis metros. Estávamos sentados aguardando e, enquanto isso, passamos a observar o ágil passarinho. Ele voava no alto, pra lá e pra cá, apavorado, tentando encontrar a saída. Os funcionários da agência abriram as duas portas largas, deixando-as abertas por todo o tempo, porém o beija-flor permaneceu voando, bem no alto, acima do vão das portas. Ambas as portas eram bem largas para possibilitar a passagem de veículos. Certamente, sua tamanha ânsia por sair o impedia de enxergar as portas abertas bem à sua frente. Bastava baixar um pouco a altura do voo, seguir em linha reta e pronto: estaria do lado de fora. Ele já estava cansado, pousava em uma ou outra luminária para recuperar o fôlego e recomeçava o voo sem fim. E ficou assim por, mais ou menos, uns quarenta minutos, até que o cansaço o venceu. Ele, voando já mais devagar, sem o apavoramento inicial e após pequenas pausas para descanso, ajustou o seu senso de direção, realizou um voo mais harmonioso e, por fim, encontrou a saída e foi embora.
Dizem que todo aquele que se dedica à arte de escrever costuma “viajar” muito em seus pensamentos, e que um simples fato cotidiano serve para dar ensejo a um conto, a uma crônica ou a um poema. De fato, observar aquela luta ansiosa e obstinada do beija-flor para encontrar a saída me fez pensar nas inúmeras vezes em que agimos da mesma maneira. Quantas vezes temos uma questão a resolver, porém, por nos perdermos na angústia ou na ansiedade, não somos capazes de enxergar a solução tão simples e ao nosso alcance? Quantas vezes nos fechamos dentro de limites colocados por nós mesmos e nos esquecemos de que somos seres múltiplos, dotados dos mais diversos dons e capazes de aprender tudo aquilo a que, com vontade e determinação, nos dispusermos a aprender? Frequentemente, em nossas vidas, ficamos como aquele beija-flor, ansiosos, correndo pra lá e pra cá, tentando resolver algo que nem percebemos que, por si só, já se resolveu! Não conseguimos pensar com clareza quando nos deixamos levar pela ansiedade, quando o foco da preocupação agiganta-se tanto em nossa mente a ponto de encobrir nossa visão do horizonte ou do panorama ao redor, ou quando estamos sob efeito do estresse. É por isso que dizem que o medo, assim como a ansiedade, nos paralisam. O medo e a ansiedade paralisam nossa capacidade de agir assertivamente na solução de um problema e nos levam a gravitar a esmo em torno da questão. O estresse também nos tira do eixo e nos impede de chegar a uma solução mais efetiva, pois consumimos mais energia e mais tempo na busca de soluções.
Esse beija-flor nem imagina que sua saga por encontrar a saída tenha provocado em mim tantas reflexões…
É a natureza, mais uma vez, nos ensinando sobre a vida! A lembrança daquele beija-flor voando estressado, sem enxergar as duas largas portas abertas à sua frente e só se dando conta delas após se acalmar e fazer pequenas pausas, representa a natureza que, a todo instante, por meio dos mais simples fatos, nos ensina muito sobre o que pensamos ser a complexidade da vida.
(*) Luciana G. Rugani
Academia de Letras e Artes de Cabo Frio – ALACAF e
Academia de Letras de São Pedro da Aldeia – ALSPA
4 respostas em “O BEIJA-FLOR ESTRESSADO”
Que interessante, Lu, a sua crônica. Uma reflexão muito bem vinda e redigida em tempos em que voamos para tantos lados em busca de liberdade e estamos aprisionados às nossas tensões. Parabéns, querida
Parabéns, bela reflexão, poetisa.
Minha amiga ,as vezes me sinto esse beija flor de asas quebradas e de rodas
Oi Ric!! Querido amigo, as asas do beija-flor são as asas da nossa mente que, frequentemente, não conseguimos controlar. Depois conta pra nós a sua história como o beija-flor, quero vê-la na Ricontar Histórias! 🙂