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E O POMBO ESQUECEU-SE DAS ASAS

Luciana G. Rugani (*)

Algumas espécies animais parecem estar se familiarizando até demais com os humanos e suas invenções. Nas ruas, tenho observado um comportamento de muita tranquilidade dos pombos em relação à proximidade dos veículos em movimento. O carro se aproxima e eles seguem tranquilamente pela rua e, além disso, esquecem totalmente que possuem asas. Não voam! Simplesmente não lembram que possuem a capacidade de voar e, quando muito, apenas apertam o passo e se põem a correr para atravessar a rua. O pombo pode voar e fugir rapidamente do perigo, porém acostumou-se tanto com a civilização humana que pouco voa e, por isso, acaba tornando-se vítima do perigo.
Esse comportamento dos pombos me fez pensar nos tantos seres humanos que, assim como os pombos, também esquecem que possuem “asas”, ou seja, esquecem-se de seus potenciais, de sua própria capacidade e força de superação. Perdem a confiança em si mesmos, não acreditam em sua própria inteligência, descreem totalmente de si. Alguns, talvez por pertencerem a classes sociais e profissões que, por séculos, foram sufocadas e desprovidas de toda forma de direito, ou talvez em função de terem sido submetidos a uma educação muito rígida em que a força e a imposição eram regras e o diálogo nulo, veem-se incapazes de contrapor argumentos e de se defenderem em situações abusivas. Há também aqueles que possuem potenciais artísticos incríveis, capacidades múltiplas para as artes, para as ciências e para a literatura, mas não conseguem enxergar seus dons, agarram-se a pensamentos limitantes e negam suas capacidades. Não percebem o potencial que possuem e precisam, às vezes, de outros que os percebam e os impulsionem. Há também aqueles que ambientam-se tão fielmente à sociedade em que vivem que acabam se agarrando a pensamentos e hábitos já ultrapassados e negam-se a aprimorar suas ideias, não se veem capazes de lidar com o novo. Enfim, há inúmeras situações do comportamento humano que são como o pombo esquecido das asas.
Essa reflexão cabe também a sociedades. Quantos cidadãos, por exemplo, pensam que não há saída, que a eles cabe apenas se submeterem ao poder daqueles que, por anos, manipulam setores da sociedade por meio do poder ou do dinheiro, perpetuando hábitos coronelistas e controladores. Sociedades inteiras que esquecem seus potenciais, passam a não mais percebê-los e, muito menos, valorizá-los. Esquecem que possuem capacidade para ir além, tornando-se livres da manipulação secular.
O pombo se enfraquece quando não se lembra mais de suas asas, torna-se a vítima perfeita para os violentos e insensíveis motoristas. Assim, também, o ser humano e as sociedades humanas se enfraquecem, se anulam, perdem a autoestima quando não enxergam seus potenciais e não os valorizam; quando se diminuem perante o impositor, ao invés de se apoderarem, com inteligência, de sua dignidade.

(*) Luciana G. Rugani
Academia de Letras e Artes de Cabo Frio – ALACAF e
Academia de Letras de São Pedro da Aldeia – ALSPA

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