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Crônica / Conto

COISAS QUE SÓ ACONTECEM COMIGO

Tati Bueno (*)

Hoje no meio do oceano, antes do jantar, num navio cargueiro, que nos levava pra Montreal, o comandante lia um livro de aventuras marítimas com a TV ligada e nela passava um documentário antigo sobre a inauguração de Brasília !
Não resisti, e comecei a rir resolvendo a contar um episódio que se passou comigo, exatamente naquele momento da inauguração da capital do país.
E foi assim!
Eu trabalhava no Departamento de Comunicação da Rede Ferroviária Federal, quando fui escalada para receber o Presidente da República
em nome da Presidência da REFESA, no stand das metas JK!
Eu deveria esperar o Presidente exatamente na porta do stand, e assim que ele chegasse, deveria cumprimentá-lo formalmente, e em seguida, ligaria uma chave de alta potência, que acionaria uma máquina ferroviária, de grande potência !
Logo que estivesse tudo funcionando perfeitamente, após os cumprimentos socialmente protocolares, eu deveria apenas dizer:
“Presidente isto é a Rede” Nada mais!
Tudo minuciosamente ensaiado, exaustivamente, com um engenheiro francês especialista em ferrovias, quando: lá vem JK todo feliz no meio de uma pequena multidão!
Eu me levanto nervosa: era muito jovem e nunca tinha visto um “presidente de verdade” na minha vida, e tremendo muito, tentei ligar a bendita chave, que surpreendentemente não obedeceu ao meu comando, e aconteceu também naquele exato momento o maior acidente ferroviário do mundo.
A maquininha não apitou, não puxou vagões que se engavetaram provocando um curto circuito no sistema elétrico, explodindo a imensa maquete ferroviária.
Assustada e chorando com as TVs e rádios viradas pro presidente e para mim, explodi num acesso de frustração e raiva :
– “Que merda hein, presidente? “
Juscelino soltou uma sonora gargalhada me abraçando e respondeu:
– É a Rede minha filha! É a Rede!
As notícias voaram e, a diretoria da RFFSA tomou conhecimento do fato, e eu fui sumariamente demitida !
Uma semana mais tarde, fui readmitida num cargo maior e melhor: ordem do presidente quando me ouviu reclamando que ia perder o emprego.
Depois JK sofreu no exílio, o país entrou numa recessão insustentável e nunca mais pareceu um presidente igual a ele.
Só porcarias como os presidente do Senado, Congresso, STF e tudo igualzinho o que eu disse da Rede Ferroviária Federal, para o meu presidente e ele confirmou… porque essas coisas, com certeza, só acontecem comigo.

(*) Jornalista.

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