Uma coisa que o campo das esquerdas precisa reaprender a fazer é a construção de seus grupos políticos. Atualmente, ao que parece, as formações de base têm sido substituídas pelas confrarias restritas, nas quais um pequeno número de pessoas, quase sempre vaidosas e exibicionistas, creem estar na vanguarda da condução dos acontecimentos.
O pragmatismo eleitoral tem sua parcela de responsabilidade. No mundo real, é preciso ganhar eleições e nem sempre nas melhores condições ou com os melhores nomes, seja para assumir ou manter governos, ou mesmo para impedir a vitória de uma mal muito maior. O problema dessa política real é que ela não consegue conviver com uma construção coletiva.
Mas essa tendência não pode ser jogada apenas na conta das condições do presente. Ao longo do século passado, achava-se normal o contorcionismo retórico do termo “centralismo democrático”, que pode ser mais bem traduzido como meticulosa farsa dialógica que permite a ilusão da participação coletiva até certo ponto, mas com as decisões nas mãos de um seleto núcleo. E, com a decisão, cumpra-se de cabo a rabo, chamando equivocadamente a isso de coesão.
O que cabe na conta do contemporâneo é a sem-vergonhice dos que manipulam os campos partidários em nome dos seus interesses imediatos, vantagens, cargos, dinheiro, poder e tudo o mais que conste na sedutora lista de Mefistófeles. E quando é esse o fio condutor do pragmatismo, danou-se.
Por outro lado, o costume disseminado de se tratar partidos como clubes e sua comunicação pública como postagens de influencers tem deixado ainda mais penosa a tarefa de ressignificação das esquerdas, algo que Hobsbawm (o grande historiador do século XX), apontava como necessário ainda nos idos do inicio da onda neoliberal com Tatcher e Reagan. Consequência direta é a perceptível transformação do que seria um grupo político em mera plateia, convenientemente comunicada e convidada a aplaudir, a fazer número, mas não para conversar, decidir e participar. Ou quem sabe, no máximo, ocupar espaços nas rabiolas descartáveis das nominatas.
Se as coisas permanecerem assim, restará ao campo da esquerda ou se fechar em casulos impermeáveis ao diálogos, achando que dele irá emergir a verdadeira borboleta da libertação (representada por líderes ilustríssimos, ilustradíssimos, verborrágicos, enfadonhos e enfáticos, versados na mais pura arte de conduzir as dóceis massas ignaras), abandonar a decência e se acochambrar em qualquer aliança que conduza suas lideranças vivas ou mortas-vivas ao delicioso mundo dos cargos políticos, ou continuar na pasmaceira vaidosa de achar que grupo é a mesma coisa que seguidores de redes sociais (confundindo deliberadamente participação com engajamento).
Seja como for, há uma urgência para que se crie rapidamente uma solução a essa embrulhada. Como está, o campo da esquerda pode não ser páreo para o neofascismo que se assanha em todos os níveis para seu único objetivo, o poder. Reaprender a construir a esquerda é uma demanda civilizatória.
Paulo Cotias é professor, escritor e psicanalista.