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O FASCÍNIO FASCISTA

Paulo Cotias*

A subida dos nazistas ao poder na Alemanha não foi tão instantânea quanto parece. Durante os anos que se sucederam a I Guerra, as humilhantes condições do Tratado de Versalhes, a dependência dos recursos financeiros e dos insumos estrangeiros, levaram a um período de apertos e reestruturação, conseguidos de modo intermitente pela República de Weimar. Com um cenário um pouco mais estável, os alemães ainda se davam ao bom-senso de achar no máximo pitorescos os arroubos do nascente partido nazista. Até então, sua máxima expressão foi um golpe de cervejaria, logo dispersado e com seus responsáveis postos preguiçosamente atrás das grades, com a certeza de que, com o devido tempo, seriam esquecidos. Uma dessas figuras, era Hitler.

Mas a Crise de 29 e a capotagem da economia alemã começaram a criar alguns dilemas. Os mais ricos, sejam eles os penduricalhos nobiliárquicos dos tempos do Kaiser ou os prósperos industriais e empresários alemães, assim como a classe média que se dissolvia, precisavam de duas coisas, encontrar um culpado para o problema e alguém que pudesse manter seus bolsos e seus privilégios. Captando o espírito do tempo, os nazifascistas começaram a encontrar uma audição mais receptiva e interessada.

Não foram poucas as reuniões, os encontros e os salões que patrocinavam festas e mais festas, aproximando as espécies exóticas do partido ao universo do reconhecimento. As bocas largas e miúdas, benditas ou malditas, começaram a espalhar aqui e acolá que colar com os nazis era uma boa pedida. Essas mesmas pessoas começaram a perceber rapidamente que poderiam se dar muito bem caso apoiassem o regime que despontava como certo. E esse sentimento começou a se capilarizar, tocando o coração egoísta ou desesperado, com a perigosa cilada de que a vida ia melhorar. Poderia ser um generoso contrato governamental para sua indústria, uma vantajosa posição na cadeia de fornecimentos ou ainda um cargo no partido ou no governo, afinal, nada como um dinheirinho certo todo o mês. Mais importante, acreditavam que teriam acesso, contato, conchavo e contexto com os novos poderosos. Assim, ao olhar para o vizinho e ver que se ele colou e pode se dar bem, não seria lógico ser o otário a ficar de fora.

As mulheres eram um capítulo a parte. Como o partido nazista era feito por e para homens, havia pouquíssimas brechas nele e no regime para que mulheres desempenhassem tarefas das mais simples e burocráticas as um pouco mais prestigiadas. O suficiente, porém, para servir como vistosa isca. Nos regabofes e nas solenidades, as mulheres se achegavam com afinco, achando que o Reich as colocaria em bom lugar, um lugar empoderado. Porém, Hitler e sua patota de fascistas apreciavam o modo como os reichs anteriores entendiam ser o espaço vital feminino: cozinha, criança e igreja, incluindo condecorações de estado para as que mais parissem filhos para a nova Alemanha.

O que tudo isso nos ensina? Que os que se achegaram de bom grado aos fascistas de ontem, fazendo girar a roda da suástica, são moralmente responsáveis por toda a depravação que essa forma política produziu. Compartilham a conta do Holocausto, dos assassinatos, do negacionismo, da misoginia, da violência, da ignorância e da corrupção. Ou seja, fizeram vista grossa a tudo isso a partir de um único e pavoroso critério, o de ser dar bem.

Fascistas são o que são. São o que sempre foram. Podem sorrir mais bonitinho, podem fazer figuração de operosos, piedosos e familiares. No fim, tudo termina de modo parecido. Só não cabe aos que se achegaram e que se um dia tiverem essa conta cobrada pela história, dizer que não imaginavam com que estavam lidando ou mesmo chorar lágrimas de crocodilo, melhor dizendo, de jacaré.

  • Paulo Cotias é Professor, Escritor e Psicanalista.
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