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Crônica / Conto

ACONTECEU NA SUÉCIA & DEU-SE QUE NA SEMANA ANTERIOR

José Carlos Oliveira – 1934/1986.

ACONTECEU NA SUÉCIA

O sorriso é, geralmente, muito bem aceito em sociedade. A menos quando não há razão para estar alegre e a pessoa abre um meio sorriso, sardônico, voltairiano. Esse sorriso da inteligência, marca dos espíritos privilegiados, às vezes ofende; quase sempre inquieta.

Já o riso é a explosão do sorriso. O sistema nervoso central se descontrola e o corpo inteiro se sacode, os pulmões expelem todo o ar de que dispõem, as lágrimas se aproximam das pálpebras. Certas situações, ou às vezes uma simples frase, ou então uma lembrança antiga que aflora de repente à consciência, são capazes de provocar um riso de tal forma demente que sua manifestação é a gargalhada.

Aqui, entramos no terreno da repressão. Não se pode rir às gargalhadas em todas as ocasiões. Num velório, por exemplo, por mais engraçado que esteja o defunto, convém mostrar à viúva uma cara fúnebre, sinal de que lamentamos profundamente o falecimento do cidadão. Na igreja também é melhor não rir; idem diante do juiz ou do delegado de polícia; no ônibus, se você lembra um episódio hilariante de algum filme ou livro, cuidado com a gargalhada solitária, vão pensar que há um passageiro lunático.

Riso e repressão, todos sabem, vivem brigando, pois o riso é uma arma. Os humoristas derrubam tabus, preconceitos, desnudam injustiças; mostrando que o rei está nu, privam o tirano de sua majestade. Por isso, os ditadores só podem encarar o riso de duas maneiras: 1) o humorista é pago pelos cofres do Estado, para prestigiá-lo; esse merece todos os favores; 2) o humorista denuncia o que há de ridículo na situação; esse há de ser suprimido.

Assim, o riso e a vida humana são uma só coisa. Acrescente-se que o riso é a única arma eficaz no combate à morte, ao nada. Dispenso-me de comprovar o que estou dizendo, por já estar cansado de discorrer sobre o óbvio.

Perguntará o leitor: “E por quê”? Respondo que essa digressão me pareceu necessária à compreensão do caso que se segue — o caso do soldador Bosse Gustafsson.

Aconteceu na Suécia. Há na Suécia uma cidade, Eksjo, que em 1968 foi eleita a cidade mais desagradável do mundo. Do recorte que me entregaram, tirado de um jornal sueco e com a respectiva tradução datilografada, consta apenas que essa eleição foi patrocinada por uma revista semanal. Mas, no outono de 1970, o soldador Bosse Gustafsson atravessava a praça Grande de Eksjo.

Gustafsson tem 23 anos de idade. Atravessando a praça Grande da cidade mais desagradável do mundo, riu-se às gargalhadas. Era o chamado riso insopitável, provocado por uma especulação qualquer de seus humores, sem relação com a paisagem e a população notoriamente chatas de Eksjo.

Na primavera de 1971, que é agora, o soldador foi julgado e condenado a pagar uma multa de 50 coroas ao governo sueco. A rubrica da condenação foi: “Conduta capaz de despertar aborrecimento, irritação”.

— Foi uma gargalhada tensa e espremida — declararam os queixosos, que se encontravam todos na praça Grande, na célebre manhã em que o soldador por lá passou. — Enquanto se abria naquela gargalhada, o sr. Gustafsson levantava os braços acima da cabeça e batia as palmas das mãos nos joelhos, várias vezes. A risada incomodou terrivelmente os moradores em volta da praça. Todos os que se achavam na praça olharam para o sr. Gustafsson.

Portanto, na cidade mais desagradável do mundo, é proibido rir. O que não deixa de ser engraçado, quá-quá-quá!

*P.S. — Por falar em riso, dia 28 estará nas bancas o Almanaque dos Fradinhos. Cumprido, o masoquista, e Baixinho, o sádico, são indicações de que ainda não somos, nem seremos tão cedo, o lugar mais desagradável do mundo…

Paulo Mendes Campos – 1922/1991.

DEU-SE QUE NA SEMANA ANTERIOR …

Deu-se que na semana anterior eu havia entrado naquele pequeno boteco da estrada de Correias e comprado um pacote de cigarros. Dez carteiras. Comprei, paguei, saí. Não cheguei a notar nem de leve que o meu gesto me fizera conhecido.

Dias depois, volto ao botequim. A mocinha, provavelmente filha do vendeiro, e na qual eu ainda não tinha reparado, atendeu-me.

― Um pacote de cigarro Turcos.

Embaraçada, ela disse:

― Um momento.

E retirou-se para o fundo da venda, onde permaneceu mais de cinco minutos. Voltou acompanhada de uma senhora gorda, que se dirigiu imediatamente a mim:

― O senhor vai desculpar-nos…

― Não há Turcos?

Há. Mas só temos seis maços. O doutor se incomodaria se ficasse apenas com quatro maços? Temos um outro freguês que gosta da marca.

― Não tem importância. Eu fico com os quatro maços.

― Muito obrigado, doutor.

A moça apanhou os quatro maços e os embrulhou a capricho. Outros fregueses esperavam com paciência que terminasse a minha transação. A senhora retirou-se e voltou daí a pouco, trazendo um lápis na mão, dizendo para a filha:

― Faça a conta. Olha: quatro maços a quatro cruzeiros e trinta centavos cada um. Quatro vezes quatro, quarenta …

― Quarenta, mãe?

― Vinte!

―E é a senhora que ainda me manda fazer a conta! … Quatro vezes quatro, dezesseis, mãe.

― É justamente por isso que é sempre bom não confiar na cabeça. Faça a conta.

A mocinha buscou um papel e fez a multiplicação. Verificou-a minuciosamente, e disse com orgulho:

― São exatamente dezessete cruzeiros e vinte centavos.

Lembrei-me que minha caixa de fósforos estava no fim.

― Ah, por favor, duas caixas de fósforos.

Ela voltou ao lápis, ao papel, e somou mais sessenta centavos. Paguei, recebi o troco e saí. E soprava uma brisa europeia naquelas paragens do nosso Brasil brasileiro.

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