Uma eleição pode ser percebida de diferentes modos. Em geral, prevalece o espetáculo como conceito estético dos que a vivenciam diretamente. É o habitat dos que se encostam ou aderem vigorosa e anatomicamente a candidatos em função pura e simples do fato de já possuir (ou vir a ter, caso você seja um mero apoiador ou topar ser amarrado na rabiola de uma nominata qualquer) com ele algum benefício, financeiro, um emprego, alguma vantagem e desejar permanecer com o que tem ou, quem sabe, melhorar. Fáceis de identificar, são os mais barulhentos, apaixonados e completamente refratários a qualquer verdade que desabone o seu bezerro de ouro. Às vezes, protagonizam cenas interessantíssimas quando não conseguem manter ou conquistar o equivalente esperado pelo seu “investimento”, pedindo desculpas públicas, esculhambando o tal anjo caído e, caso consiga pendular em uma nova derme política, renova os louvores.
Já o modo pelo qual os candidatos percorrem a via eleitoral parece ter feito sob medida para esses seres viventes da fauna e flora política. Toda a pantomima já é um roteiro conhecido, com performances, degustações, encenações carregadas nas tintas da emotividade ou da canastrice. Vários devidamente photoshopados, instagramáveis e falando com aquela sincera mediocridade adornada por chavões, palavrões e sincericídios típicos de um podcast de quinta categoria. Tudo com doses cavalares de “tamo junto”, “irmão ou irmã”, “escolhidos de deus (minúsculo mesmo, pois Deus é outro departamento) e coisa e tal.
A grande questão é que isso não tem lado. Direita, esquerda, ou qualquer outra direção da rosa dos ventos política parece já ter adotado esse surto coletivo como um dogma imprescritível. Para piorar, quando surge alguma coisa fora dessa curva, quase sempre é algo exótico, agressivo e com aquele toque de seita, na qual só prestam os iniciados.
O problema é que está sobrando cada vez menos espaço para a construção de propostas sérias e necessárias. E elas são imprescindíveis. A cada folia eleitoral, o bloco passa e a pista fica. E fica com os buracos de sempre, com a educação ruim de sempre, com a saúde precária de sempre, com a sujeira, com a desorganização, com a esculhambação do funcionalismo, com a precarização das oportunidades de trabalho. Porém, nada que as mesmas estratégias de prolongamento do palanque, o estardalhaço em cima de qualquer mísera ação e a divinização da personalidade do eleito não deem conta de diluir. O importante é ter o que oferecer para ter quem possa defender.
Mas não é só a comunidade e o espaço público que sofrem. Eleições também são oportunidades de verificarmos a quantas anda a nossa régua civilizatória. O perigo do comportamento mesquinho de envolver-se pensando no próprio umbigo, ou o irresponsável de não se envolver achando que seu umbigo é o universo conhecido, permitimos que coisas como o neofascismo, as ditaduras ou lideranças perversas ou alucinadas promovam drásticos estragos em nossa noção de humanidade.
Ou seja, os tempos de problemas extremos exigiriam, no mínimo, um pouco mais de preparo, dignidade e compromisso dos postulantes e participantes. Mas isso tudo que você leu será chamado de devaneio de um ingênuo. O que vale é a festa dos grandes espertos.
Paulo Cotias é professor, escritor e psicanalista.
Uma resposta em “A FESTA DOS GRANDES ESPERTOS”
Miito feliz e verdadeira a cronica do Paulo. Mostrou a realidade dos impuros politicos, que de programas nada apresentam, para eles o Ze povinho é um mero “profiterolle”